Imperdível, mostra exibe 5 filmes do malinês Souleymane Cissé no IMS

Longas 'Yeelen', 'Baara' e 'Finyé' integram programação que começa quarta (18) em São Paulo

Cena de Baara – O Trabalho, de Souleymane Cissé
Cena de 'Baara', do malinês Souleymane Cissé, que ganha mostra no IMS - Divulgação
SÉRGIO ALPENDRE
São Paulo

O cinema africano não é algo uniforme, que responde aos mesmos problemas existenciais e sociais, seja do Senegal, do Mali ou da Nigéria. No entanto, muitas vezes se fala dele como se fala, por exemplo, do cinema americano —amplamente conhecido como o cinema feito nos EUA, e não em todas as Américas.

A mostra com cinco filmes do diretor malinês Souleymane Cissé, a começar no IMS Paulista nesta quarta (18), chega para mostrar parte da riqueza e da pluralidade do cinema que se faz no continente africano.

Na verdade, parte do cinema que se faz no Mali, país que conseguiu sua independência da França em 1960 e logo depois viveu sob um violento regime militar (entre 1968 e 1991, justamente enquanto a carreira de Cissé se iniciou e se consolidou).

Como o senegalês Ousmane Sembène e o mauritano Abderrahmane Sissako, Cissé é (ou deveria ser) conhecido do público brasileiro. Seu filme mais famoso, "Yeelen - A Luz", causou furor no Festival de Cannes de 1987, onde ganhou o Prêmio do Júri, e foi exibido no Brasil em circuito comercial e na televisão.

Sua obra, contudo, é muito mais que "Yeelen". Ela evidencia características bem particulares. Em 1978, surge o primeiro longa realizado no Mali (e o segundo de Cissé), "Baara - O Trabalho", em que o diretor procurou mostrar problemas sociais de seu país e da capital, Bamako.

A partir de um encontro entre um jovem carregador e um engenheiro vindo da Europa, vemos a consciência da exploração de classe e o dilema entre o humanismo e a tentação de seguir o frio "cada um por si" do capitalismo.

É uma ficção de contornos documentais, como é característica do cinema moderno, filmada com habilidade e inteligência. Tem muitos momentos em que os atores encaram a câmera em diálogos frontais e há belas canções na trilha, escolhidas para pontuar a narrativa poeticamente.

Naquela época, Cissé —que estudou cinema em Moscou— dava de ombros à internacionalização ou às imagens exóticas solicitadas no mercado estrangeiro como uma ideia europeia da África. Queria fazer um cinema que se justificasse internamente. Não uma África para francês ver. A poesia de Cissé é a de Bamako, onde nasceu.

"Finyé - O Vento" (1982), o longa seguinte, segue a mesma toada com igual beleza. Na trama, dois jovens de classes sociais diferentes se apaixonam e se envolvem em rebeliões estudantis.

Filme de juventude, que passa corajosamente pela questão militar, de ilusões e esperanças, menos explosivo que "Baara", mas igualmente poético. Mostra, a um só tempo, a maturidade do diretor e sua aptidão para não se acomodar.

Por fim, "Yeelen" completa o quadro com uma volta a dez séculos atrás para identificar tradições ancestrais e problemas que persistem na sociedade de seu país.

A ironia é que, ao fazer esse retorno, o filme entrega, colateralmente, mais ou menos o que se pede a um cineasta africano no exterior: imagens do continente conforme um europeu o entende.

Isso ajuda a entender a premiação em Cannes e a consolidação do nome de Cissé no panteão do cinema autoral. Mas não faz com que "Yeelen" se torne menos belo. Pelo contrário: é um primor.

Completam a programação dois curtas do começo da carreira de Cissé, e um média-metragem sobre ele da sensacional série "Cineastas do Nosso Tempo", dirigido por Rithy Panh.

É uma mostra imperdível. Ideal para resgatar um dos grandes nomes do cinema moderno.

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