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Artes Cênicas

Monólogo 'O Monstro' vai além da exposição de um caráter pré-fixado

Preciso, Genézio de Barros foge da armadilha de demonstrar uma personalidade desumana

Paulo Bio Toledo

O Monstro

  • Quando Ter. e qua., às 20h. Até 1º/8
  • Onde Teatro Vivo, av. Dr. Chucri Zaidan, 2.460
  • Preço R$ 50
  • Classificação 16 anos

Na montagem de "O Monstro", o ator Genézio de Barros interpreta um homem narrando os caminhos que levaram ele e sua amante a cometer um covarde assassinato contra uma jovem quase cega.

Diferentemente do conto de Sérgio Sant'Anna que dá origem à adaptação, feita pelo diretor Hugo Coelho, no monólogo não há um repórter entrevistando o assassino. Vemos apenas uma espécie de depoimento confessional cujo interlocutor muitas vezes parece ser o próprio público.

O interesse da montagem reside, em boa parte, nesta especificidade da narrativa. Ao mesmo tempo em que Antenor descreve os pormenores do assassinato, também aparece o seu esforço em tentar elaborar e criar justificativas para o que houve. Fica em primeiro plano, portanto, não a história narrada por ele, mas, sobretudo, o gesto de rememoração do assassino.

Com uma interpretação precisa, Genézio de Barros foge da armadilha de demonstrar a personalidade de um "monstro". Ou seja, a peça vai além da exposição de um caráter pré-fixado, o de um homem capaz de cometer tal atrocidade.

Ao contrário disso, o ator sustenta os momentos de verdade daquela personagem e a luta interna que ele trava para tentar decifrar suas próprias ações. Isso não isenta o assassino, nem relativiza o crime abominável, mas cria uma conjugação espantosa entre barbárie e esclarecimento.

Antenor não é alguém privado da construção civilizatória que deveria nos afastar de ações monstruosas.

Ele é professor universitário de filosofia, se relaciona com uma bem-sucedida operadora financeira, ouve jazz, desconfia dos padrões moralistas do cotidiano, cria belas imagens líricas em seu depoimento, tem senso crítico. E isso tudo não o impede de estuprar e assassinar uma jovem sem chance nenhuma de defesa.

Antenor não é um monstro psicótico oposto aos valores que regem nossa civilização. Dependendo de como se olha, ele é bem semelhante à sociedade que o condena.

No final de seu depoimento, o assassino conta que na prisão recebe cartas de ódio, mas também, na mesma proporção, cartas de amor. Como se a sociedade que o abomina também se reconhecesse nele e sentisse algum fascínio por sua figura monstruosa.

As possibilidades ambivalentes de leitura que a montagem de "O Monstro" proporciona devem-se à força objetiva com que Genézio de Barros atua. Ele enfrenta a personagem sem afetação ou pré-julgamentos e abre espaço, assim, para uma reflexão contraditória que envolve todos nós. O monstro em cena é uma espécie de espelho.

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