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Artes Cênicas

Montagem 'Insetos' é distopia sobre um mundo obscuro

Ambiente sombrio do cenário ganha contraste satírico no figurino deliberadamente kitsch dos bichos

Paulo Bio Toledo

 

Insetos

  • Quando Qua. a sáb. e seg.: 20h. Dom.: 18h. Estreia 8/7. Até 20/8
  • Onde Centro Cultural Banco do Brasil, r. Álvares Penteado, 112
  • Preço R$ 20
  • Classificação 14 anos

A peça "Insetos", escrita por Jô Bilac para a montagem comemorativa de 30 anos da Cia. dos Atores, apresenta um mosaico de cenas protagonizadas por variados artrópodes.

Vemos um conjunto de insetos numa intrincada geopolítica de guerra, resistência, utopias e tirania, que remonta a nossa própria atualidade.

O texto do dramaturgo, que também assinou a última peça montada pela companhia carioca ("Conselho de Classe", de 2013), apresenta um mecanismo ambivalente. Por um lado, "Insetos" pinta um quadro trágico, é quase uma distopia sobre um mundo obscuro no qual as instituições republicanas se esfacelaram e são substituídas pelo arbítrio fascista, pela terra arrasada e o salve-se quem puder de autopreservação em meio ao caos.

Mas, ao mesmo tempo, há um tom cômico e altamente satírico percorrendo cada cena, como, por exemplo, no procedimento de aproximação metafórica entre espécies de insetos e grupos sociais reconhecíveis —milícias militares de besouros; baratas periféricas e marginalizadas; gafanhotos burgueses vivendo de trabalho alheio etc.

"Insetos" vive entre o quadro trágico do nosso cotidiano e a paródia dessa realidade; as cenas são ao mesmo tempo imagens terríveis de onde podemos chegar e uma irreverente sátira política.

Essa coexistência de procedimentos distintos é replicada na montagem dirigida por Rodrigo Portella. De um lado, a cenografia (criada por Beli Araújo e César Augusto) e a iluminação idealizada por Maneco Quinderé evidenciam um ambiente sombrio.

A pilha de pneus iluminados por luzes laterais remete aos espaços habitados por insetos, mas sugere também um horizonte apocalíptico. A luz cria ângulos estranhos e recortes nebulosos ressaltando o caráter obscuro de uma civilização que se dissolve.

Por outro lado, o figurino kitsch de Marcelo Olinto e o ótimo registro de atuação do grupo evidenciam o sentido satírico da peça, com quadros cômicos que sublinham muito bem a paródia social e o esforço meio patético de representar insetos.

Esta dinâmica ambivalente é o ponto forte do espetáculo e fundamenta uma cena inventiva de grande interesse, mas não resolve totalmente certa superficialidade que percorre a montagem.

Apesar de construções livres, sintaxe veloz e objetiva, o texto muitas vezes só ecoa comentários repisados sobre variações do noticiário atual, sem muito esforço de elaboração crítica.

"Insetos" apresenta uma cena viva que oscila entre a tragédia e a sátira, mas falta, enfim, uma atitude reflexiva mais empenhada para que vá além de apenas reproduzir ou diagnosticar o caos fragmentado que vivemos.

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