Mostra magnifica acervo do multimídia Adoniran Barbosa e corrige lacuna de gerações

A partir de terça (24), exposição no Farol Santander revê diversas faces do autor de 'Trem das Onze'

Rafael Gregorio
São Paulo

Desde 1982, quando Adoniran Barbosa morreu, aos 72, gerações foram privadas de uma retrospectiva à altura do autor de “Saudosa Maloca”.

Não mais. Em cartaz a partir de terça (24), a mostra “Trem das Onze - uma Viagem pelo Mundo de Adoniran” organiza em dois andares do Farol Santander mais de cem itens, entre partituras, fotos, discos, filmes, novelas e vestuário.

Boa parte já fora descrita em biografias ou exposta nas últimas décadas, quando percorreram um périplo os pertences de Adoniran —nascido João Rubinato, em Valinhos (SP), filho de imigrantes italianos.

O acervo foi iniciado nos anos 1940 pela segunda mulher e grande amor do artista, Matilde de Lutiis. Depois da morte dela, em 1986, acabou encaixotado.

Em 2005, os itens passaram meses no teatro Sérgio Cardoso. Em 2010, nos cem anos do artista, cogitou-se criar uma Casa Adoniran, permanente.

Desde então, familiares e pesquisadores tentaram expor o acervo, sem sucesso; até janeiro, o material estava emergencialmente abrigado na Galeria do Rock pela filha do compositor, Maria Helena Rubinato.

Agora, ao dispor memórias em uma narrativa, a mostra exibe Adoniran em sua amplitude e corrige esquecimento exorbitante até para os desmemoriados padrões do país.

Revela-se um artista múltiplo. A começar pelas canções prévias à maturidade como compositor: “São sambas em que cantava parecido com o carioca, ainda não havia desenvolvido seu próprio estilo”, comenta Celso de Campos Jr.

Ele é autor do livro “Adoniran - uma Biografia” (2003) e curador da exposição ao lado do cineasta Pedro Serrano, do documentário “Adoniran - Meu Nome é João Rubinato”.

O filme foi destaque no festival É Tudo Verdade e tem trechos exibidos na mostra.

Vêm a carreira na rádio, fase em que Adoniran viveu sua maior popularidade, os trabalhos como ator de TV e cinema e uma perene verve de artesão.

Por fim, vê-se a consagração como compositor nos três discos gravados após os 63 anos e a relação com o Bexiga.

No bairro paulistano, Adoniran —então já um ícone da imigração que formou a metrópole— teve seus 70 anos de idade celebrados com missa, jogo de futebol, show e dois dias de festejos nos botecos.

Da época, três saborosas passagens sobressaem para delinear a personalidade do artista.

Primeiro, o amor pelo vira-latas Peteleco, fiel escudeiro que acabou creditado como autor de sambas, como “Deus te Abençoe”.

Depois, o texto do crítico literário Antonio Candido (1918-2017) para a contracapa do segundo disco —uma chancela intelectual a um artista até então ridicularizado pela esnobe inteligência da época.

Levando o compositor às lágrimas, escreveu Candido:

“Da mistura, que é o sal da nossa terra, colheu a flor e produziu uma obra brasileira, em que as melhores cadências se aliam às deformações normais de português, onde Ernesto vira Arnesto, em cuja casa nós fumo e não encontremo ninguém, exatamente como por todo esse país.”

Por fim, o desenho da capa do terceiro álbum, de Elifas Andreato. Contratado, o desenhista criou a hoje clássica imagem de Adoniran representado como um palhaço triste.

Um executivo da gravadora, porém, levantou ressalva: e se ele não entender e se ofender?

Andreato então preparou outra versão, mais sóbria, que vingou como a capa, e presenteou o original ao jornalista Fernando Faro (1927-2016).

Conta o biógrafo Campos Jr.:

“Um dia, Adoniran vai ao escritório do Fernando e vê o desenho. Liga pro Elifas e diz, entre jocoso e emocionado: ‘Elifas, filho da puta, eu sou esse palhaço triste que está aqui, e não o alemão que você colocou na capa do disco’”.

Trem das Onze - uma Viagem pelo Mundo de Adoniran

  • Quando Ter. a sáb., das 9h às 20h, e dom., das 9h às 18h
  • Onde Farol Santander - r. João Brícola, 24, centro, São Paulo
  • Preço Ingr.: R$ 20 (visitação completa ao prédio)
  • Classificação Livre

As muitas faces de Adoniran

Paulista venerado no Rio
Foi o primeiro paulista a ser premiado no Carnaval carioca, em 1965, com “Trem das Onze”, quando SP já fora chamada “túmulo do samba”

A estrela do rádio
Foi como humorista de rádio que viveu a maior fama. Criou tipos como Barbosinha, que depois apresentou em espetáculos circenses

O ator de televisão e cinema
Atuou em novelas, como “Mulheres de Areia”, da Tupi, e em filmes, como “O Cangaceiro”, de Lima Barreto (1906-1982); preparou-se para obra do diretor sobre a Guerra de Canudos que nunca saiu

O artesão
Com habilidade de serralheria herdada da família, construía trenzinhos e bicicletas com os quais presenteava amigos

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