Descrição de chapéu Flip

Na Flip, rainha do horror russo canta Besame Mucho, tira sarro e diz que ama gatinhos de paixão

Liudmila Petruchévskaia vem ao Brasil a reboque de 'Era uma Vez uma Mulher que Tentou Matar o Bebê da Vizinha'

Guilherme Genestreti
Paraty

Vestindo preto dos sapatos ao chapelão, a escritora Liudmila Petruchévskaia, 80, tirou sarro de sua entrevistadora, ouviu ‘fiu-fius’ da plateia, cantou “Besame Mucho” e disse amar os gatinhos “de paixão”. “E as crianças também, porque dá para pegá-las no colo”, falou na noite deste sábado (28) na Flip.
 
Foi mais um dia qualquer na vida da rainha do horror russo, um dos grandes destaques desta edição do festival literário de Paraty.
 
Ela, que também é compositora e canta na noite de Moscou, vem ao Brasil a reboque de “Era uma Vez uma Mulher que Tentou Matar o Bebê da Vizinha” (Companhia das Letras), coletânea de contos mórbidos e sinistros que bebem do folclore de seu país e das cicatrizes de décadas de autoritarismo.  
 
A escritora tinha 3 anos quando começou a Segunda Guerra e viu três pessoas da família morrerem, outras serem presas. “E passamos fome. Um pão tinha que durar vários dias e servir várias pessoas.” À noite saía à procura de espinhas de peixe, restos de pão e de batata nos lixos.
 
Mas, abriu uma ressalva, aqueles “anos não foram ruins”. “Eu aprendi a fugir, aprendi a pedir esmola. Só não aprendi a roubar. Isso eu não sei até hoje”, disse ela, que ficou de pé todo tempo, “por respeito ao público”.
 
Diz que aprendeu a contar histórias com a avó acamada, que tinha uma “memória fenomenal” e sabia ao pé da letra contos de Nikolai Gógol. Também ajudou o fato de ela contar com o que Petruchévskaia chama de “orelhas de elefante”.

“Elas são a parte principal do meu ser. Com esses ouvidos as pessoas me contam suas histórias. Às vezes, fico escondida escutando e anotando. O povo conta histórias assustadoras”
 
Proibida em seu país até os 50 anos de idade –sua escrita não se encaixava nas diretrizes estéticas do regime comunista--, Petruchévskaia pouco falou sobre sua condição de proscrita. Na verdade, a partir de certo ponto da conversa, mal formulou frases inteiras.
 
Mediadora da mesa, a portuguesa Anabela Mota Ribeiro teve problema para ser compreendida pelo filho da escritora, que traduzia as perguntas para a mãe. O artista Fiódor Pavlov-Andreiévitch passa temporadas em São Paulo e fala bem o português brasileiro, mas teve dificuldade para entender as perguntas.
 
Petruchévskaia também não pareceu disposta a responder. Fez seu show, zombando do subtítulo que seu livro ganhou no Brasil (“Histórias e Contos de Fadas Assustadoras”) e dando respostas cortantes às perguntas.
 
Sua relação com os animais, sempre presentes nos contos? “Amo os gatinhos, os bem pequenininhos, amo de paixão os gatinhos. E amo crianças. Qualquer coisa que elas façam. E porque dá para pegá-las no colo.”
 
Sobre o medo, que permeia suas histórias, disse já temido “de tudo”. Aos 10, as outras crianças não gostavam dela. “Eu era solta, da rua, selvagem. Elas tinham casa.” A arma que tinha, conta, “era criar poemas sobre a pátria”. Mas logo emendou: “Se um escritor escreve para promover sua pátria, sobre pessoas boas e maravilhosas, isso não é ser escritor.”
 
Medo da morte? “Só uma coisa assustam, quando as pessoas são executadas. Mas isso não acontece, né?”
 
E como é ser best-seller nos Estados Unidos? “Tanto faz.”
 
Algum ciúme? “Dele”, disse abraçando o filho.
 
Ela brinca? “Não jogo computador, jogo só sudoku.”
 
O público ria a cada tirada. Ela não perdeu a deixa: “Vocês riem de tudo, mas ninguém aqui quer encenar minhas peças de comédia”.
 
Também comentou seu look: vestido preto e chapéu, também preto. “Tenho 80 anos, quero parecer uma mulher interessante ainda”, disse. Recebeu uma saraivada de fiu-fius.
 
Terminou a noite cantando com ares de diva e dando uns passinhos para cá e para lá. Empilhou canções em francês –além de alguns trechos em inglês de “Only You”--, enquanto parte do público aplaudia ao ritmo da música e outra debandava da sala. Os que ficaram aplaudiram no pé.
 
Aos fundos, um rapaz não se aguentou: “Eu vou no camarim!”.

Ficou com a música na cabeça? Ouça aqui 'Besame Mucho'

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