O artista Andy Kaufman (1949-1984) ficou famoso por seus números de humor --embora rechaçasse o título de comediante. Controverso, tornou-se conhecido pelo grande público por suas participações no "Saturday Night Live".
Ele sonhava em ser o maior artista do mundo. Jogando com a realidade e a ficção, construía personagens realistas e sustentava que eles existiam —como Tony —Clifton além de abusar de pegadinhas: muitos incluem aí o fingimento de sua própria morte.
A vida de Kaufman foi retratada em "O Mundo de Andy", cinebiografia de 1999 com Jim Carrey como protagonista. A Cia. Tertúlia de Acontecimentos, de Gero Camilo e Victor Mendes, agora faz mais do que apenas retratar a vida do revolucionário artista.
"Andy" é, antes de tudo, uma homenagem. Tal intenção é clara e se manifesta na estrutura do espetáculo —que traz esquetes consagradas de Kaufman. Mendes apresenta uma interpretação sólida, de construção precisa a partir da expressividade e do timing cômico do norte-americano.
Ao público que pouco conhece do homenageado, a obra situa bem passagens de sua vida —e a escolha de exibir vídeos dos quadros originais ressalta a qualidade da caracterização de Mendes. Aproveitando-se do tipo de comédia desenvolvido por Kaufman, a peça gera estranhamento em vários momentos.
No entanto, para além da comicidade que por si já causa certo desconforto, o espetáculo busca transcender o tom biográfico. Mendes e Camilo propõem, neste sentido, um espelhamento do protagonista na dramaturgia: a trajetória da cadela soviética Laika, interpretada por Camilo.
Considerando o imaginário construído por Kaufman, essa escolha pode soar apenas como um elemento que suspende o entendimento da plateia. Assim, vídeos exibidos, como diálogos em russo sobre os procedimentos e o treinamento do animal seriam um recurso de distanciamento.
Como "Andy" joga com camadas de ficção a todo instante, por vezes aquela presença recorrente pode reverberar como mais uma grande piada dos artistas —já no programa, o texto de apresentação do espetáculo brinca com algumas informações.
O paralelo com a cadela é construído sutilmente pela obra e deve ser completado pela reflexão do público. Porém, em uma cena potente que põe de frente as duas personagens ao som de uma canção de Cazuza, a analogia é apresentada diretamente.
Inadequação, rejeição, relações com a fama: as associações entre a trajetória de Kaufman com a de Laika parecem ao mesmo tempo confundir e abrir possibilidades de leitura para a peça.
A encenação alterna entre escolhas que situam o espectador na ação —fazendo bom uso do cenário de André Cortez, onde projeções estabelecem lugares para a narrativa— e outras menos óbvias. Não se trata, portanto, de uma obra de fácil recepção.
"Andy", homenageando alguém cujo humor gerava mais risos nervosos do que gargalhadas, faz um tributo a altura deste artista único. Desafiadora e divertida à sua maneira, deixa quem assiste com mais dúvidas do que certezas.
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