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'Quando Ela Era Boa', de Philip Roth, é como meditação sobre o destino e a virtude

Na prosa trágica do autor, bondade e verdade se convertem em caminhos de destruição

Philip Roth em sua casa, em Syracuse (EUA), em 1968 - Bob Peterson//Time Life Pictures/Getty Images
João Pereira Coutinho

Quando Ela Era Boa (When She Was Good)

  • Preço R$ 59,90 (352 págs.)
  • Autor Philip Roth
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Jorio Dauster

Sempre gostei de "Quando Ela Era Boa", um romance subvalorizado de Philip Roth, publicado em 1967.

Corrijo: o romance não foi subvalorizado. Foi sobrevalorizado, mas pelas razões erradas: depois de se ter divorciado da primeira mulher, Margaret Martinson, a crítica entendia que o livro era um ato de vingança de Roth sobre a ex-mulher. Ali estava um caso de "masculinidade tóxica", como agora se diz, com personagens femininas condenadas às maiores torpezas.

Não vou perder tempo com essas interpretações, que me parecem superficiais (para usar um eufemismo). Prefiro olhar para "Quando Ela Era Boa" como uma meditação sobre o destino e a virtude, dois temas clássicos de Philip Roth.

No centro da história estão Willard Carroll e a neta Lucy. Ambos pretendem fugir aos exemplos familiares, construindo um universo a salvo da selvajaria dos progenitores.

Willard é o primeiro: abandona Iron City, instala-se em Liberty Center (atenção ao simbolismo dos nomes) e decide que o mais importante na vida é ser uma pessoa "civilizada". No fundo, Willard deseja ser o contrário do pai, um homem bruto e cruel. Como? Praticando e exibindo as virtudes certas da compreensão e da bondade.

Lucy parte da mesma premissa: igualmente brutalizada pelo exemplo do pai —um alcoólatra que bate na mulher submissa—, compromete-se com a verdade, só a verdade, nada mais que a verdade.

E, em matéria de relações amorosas, ela tem exigências sobre os homens que estão no oposto da subjugação da mãe.

Fatalmente, e como acontece na prosa trágica de Philip Roth, esses dois caminhos de virtude convertem-se em caminhos de destruição.

À primeira vista, que mal tem a bondade de Willard? Mal nenhum. Exceto quando a bondade se converte em pusilanimidade —uma inépcia para reagir vigorosamente quando está em causa algo de essencial: o bem estar da sua família. É por isso que o homem que deixou Iron City para encontrar a liberdade na cidade desse nome (Liberty Center) está condenado a nunca sair do inferno.

O mesmo acontece com Lucy. Admiramos a sua força de caráter. E pasmamos com os seus sacrifícios em nome do bem: só Lucy seria capaz de se casar com Roy, mesmo não gostando dele, para evitar o naufrágio do rapaz.

Mas há momentos em que a compaixão é autodestrutiva. E em que a virtude se converte em fanatismo e intolerância perante as imperfeições de terceiros.

Tal como o avô, Lucy não consegue escapar ao destino porque as suas virtudes se converteram nos piores vícios.

E, no fim, quem se salva da tragédia virtuosa?

Uma personagem, por sinal feminina: Berta, mulher de Willard e avó de Lucy. Ao longo do romance, por palavras ou atos, ela assume o papel do coro grego, comentando racionalmente os atos irracionais do marido e da neta. Berta não se ilude nem se deixa iludir pelas ficções dos outros.

Se ela representa a "masculinidade tóxica" de Roth, então o mundo seria um lugar melhor com um pouco mais de toxicidade.

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