Rael conheceu Vinicius de Moraes (1913-1980) quando frequentava a escola pública no Grajaú, bairro da zona sul de São Paulo, e cantava no coro.
Até então, o veterano não era o poeta nem o diplomata, mas o compositor de temas marcantes da MPB, como “Canto de Ossanha”.
Agora, aos 35 anos, o paulistano —oriundo da mesma cena de MCs que projetou Criolo e Emicida— bebe do poeta e o atualiza em espetáculo que exibe neste sábado (21), na Casa Natura Musical, em São Paulo.
Ao violão e ladeado por Felipe da Costa (percussão) e Digão (violão e baixo), Rael canta temas como “Tarde em Itapoã”, “O Morro Não Tem Vez” e “Berimbau”.
“Trouxe para a minha atmosfera de rap e reggae e introduzi versos; não fico à altura do Vinicius, mas acho que consegui me conectar a ele”, reflete Rael.
É com esse espírito que ele revisita temas como “A Casa”, dos versos famosos:
“Era uma casa muito engraçada/ Não tinha teto, não tinha nada/ Ninguém podia fazer pipi/ Porque penico não tinha ali.”
Na sua releitura, o clássico infantil motiva reflexão sobre problemas de habitação comuns às periferias urbanas de um dos países mais desiguais do planeta:
“Conheço várias casas assim/ Nesse estilo de vida/ Sem teto sem privada sem/ Perspectiva/ Quebrada requebrada né?/ Vida sofrida/ Quem é, tá ligado e já nem/ Sente a dor da ferida.”
Mais do que interpretar as canções, o músico oferece a elas novos significados, à luz de sua biografia e de sua idiossincrática trajetória; mais do que outros colegas, Rael tem qualificação cada vez mais imprecisa entre rapper e cantor.
“Tenho cantado mais que rimado; minha música me levou além da oratória.”
Esse processo, diz, guardou relações com a facilitação do acesso à cultura que a internet propiciou às gerações posteriores à dele.
“O mundo virtual permitiu que rappers se conectassem a outras raízes. Isso aconteceu nos EUA e acontece no Brasil”, afirma.
A ideia de reler Vinicius nasceu em 2006, quando o amigo Criolo o convidou para fazerem um show inspirado no mestre.
Depois, Rael aproveitou um convite do programa Versões, do canal Bis, para aprofundar o experimento.
Em 2017, ele retomou o tema para o que seriam shows de transição entre o quinto trabalho, “Coisas do Meu Imaginário”, e um disco acústico que concebeu com Carlos Eduardo Miranda (1962-2018).
Após a morte do produtor gaúcho, em março, contudo, Rael ficou “meio órfão”, como se define; o desamparo o fez rever planos e cogitar dedicar mais atenção aos sons de Vinicius, que podem virar um DVD.
“Comecei a entender coisas que o Miranda me disse antes de partir, da importância de descobrir o que cai bem em mim e respeitar meu tempo. Até me achar na confusão, estou fazendo tudo com mais calma.”
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