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Artes Cênicas

Sem maniqueísmo, 'Edward Bond para Tempos Conturbados' faz potente reflexão

Espetáculo discute a construção de discursos a partir da obra do dramaturgo britânico

amilton de azevedo

Edward Bond para Tempos Conturbados

  • Quando Qui. a sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 22/7
  • Onde Sesc Pompeia, r. Clélia, 93
  • Preço R$ 7,50 a R$ 25
  • Classificação 18 anos

Num momento em que as disputas de narrativas se encontram cada vez mais em evidência, "Edward Bond para Tempos Conturbados" busca refletir sobre a construção de discursos. A Companhia Involuntária (RJ) se inspira na obra do dramaturgo britânico que dá nome ao espetáculo.

É uma encenação autoral que insere a violência comum aos textos de Bond na realidade brasileira. Na contramão do que se vê em teatros de grupo, a dramaturgia de André Pellegrino parece não se posicionar abertamente.

Deixando as conclusões acerca dos fragmentos vistos para o público, "Edward Bond" se potencializa. A estrutura em quadros performáticos encontra uma linha condutora na presença constante de uma comentadora.

Em uma cadeira no palco, essa figura observa o que acontece. A faixa que cobre sua visão remete à clássica representação da Justiça. Suas colocações enquadram o olhar do espectador e verticalizam a leitura do que ocorre.

É ela que, em sua fala inicial, situa o ponto central da encenação. A própria ideia de "tempos conturbados" é posta em xeque: não será todo tempo conturbado para aqueles que nele vivem? O célebre aforismo grego "conhece-te a ti mesmo" é gatilho para a colocação de que, para conhecer uma pessoa, é necessário conhecer a sociedade.

Assim, há uma tensão não apenas entre o indivíduo e a sociedade, mas também entre o que é da natureza humana ou construção sociocultural. Essa questão permeia a obra. As situações problematizam escolhas individuais em relação a discursos preestabelecidos e o panorama atual.

O público insere-se facilmente na discussão proposta por "Edward Bond". Mérito da encenação de Daniel Belmonte em consonância com a dramaturgia de Pellegrino. Logo na primeira cena, é quase impossível não se colocar no lugar da atriz que responde a perguntas em um violento programa de auditório.

Uma gama ampla de assuntos é abordada. Em comum, tensões entre criação e reprodução de discursos —e seus esvaziamentos. Mas a peça rejeita maniqueísmos. A única crítica cristalina é sobre a superficialidade com a qual aceitamos certos discursos em detrimento de outros.

Exemplo disso é a cena em que uma personagem, ao dar sua opinião sobre um acontecimento recente, transforma sua visão de mundo radicalmente e passa a defender o oposto daquilo que dizia.

Ali, assim como no momento final, a peça faz escolhas ao mesmo tempo corajosas e perigosas. Sua problemática parece apontar mais para a forma pela qual discursos são construídos. A violência presente pode borrar a distinção entre os conteúdos —que, por vezes relativizados, arriscam incutir em falsas simetrias.

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