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'Um Livro para Rufino' propõe a reconstrução de um livro a partir do que restou

O poeta Rufino é um ilustre desconhecido mesmo entre os classicistas

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Escritura em pedra da época do Império Romano, em Roma - Marcio Freitas/Folhapress
Guilherme Gontijo Flores

Um Livro para Rufino

  • Preço R$ 25 (90 págs.)
  • Autoria Rufino
  • Editora Córrego
  • Tradução Rodrigo Bravo

Certas obras têm um percurso de sobrevivência muito particular: elas podem chegar por inteiro como que por milagre, com apenas um ou dois manuscritos que atravessaram séculos, como é o caso da poesia de Catulo; elas podem chegar em fragmentos de citações antigas e de livros preservados ao acaso nas areias do Egito, como é o caso do que restou de Safo.

Mas podem chegar simplesmente porque eram tão boas que figuravam em antologias, que por sua vez fizeram o caminho da sobrevivência, carregando consigo milhares de poemas. Esse é o caso de um ilustre desconhecido mesmo entre classicistas: o poeta Rufino.

Rufino simplesmente, sem pai, nem mãe, nem terra; porque nada sabemos do homem Rufino; aliás, nosso conhecimento é tão precário que as datações sobre quando teria vivido variam —nos casos mais precisos e restritos!— em torno de 300 anos, entre os séculos 1º e 4º, o auge do Império Romano.

Sabemos apenas que foi escritor de epigramas (um gênero de origem grega, marcado pela concisão) e que compunha em grego, porque todos os poemas que sobreviveram estão no livro 5 da "Antologia Palatina", o maior repositório de epigramas antigos conservados em manuscritos que chegaram até a Idade Moderna, num manuscrito escrito em torno de 980 d.C.

Como o livro 5 da "Antologia" reunia apenas poemas eróticos, tudo que chegou de Rufino cabe na categoria do epigrama amoroso. No entanto atente-se para o fato de que amoroso aqui pode incluir pornográfico, debochado, ácido, e não apenas declarações delicadas de amor. Rufino, nesse quesito, foi um mestre da variedade em meio à retomada de temas, tópicos e personas, apesar da obra tão parca que nos chegou.

"Um Livro para Rufino", trabalho executado pelo jovem poliglota Rodrigo Bravo —com apresentações dos veteranos Antonio Vicente Seraphim Pietroforte e João Angelo​ Oliva Neto—, propõe a reconstrução de um livro a partir do que restou.

São 39 epigramas traduzidos com notas, na ordem em que aparecem na "Antologia Palatina"; e é curioso ver como eles, de fato, parecem nos mostrar o desenho do que pode ter sido um livro com começo, meio e fim, contando aventuras amorosas com algumas mulheres, mas sobretudo com Pródice, amada que envelhece junto com o poeta ao longos dos poemas.

O livro ainda é acompanhado de um posfácio do próprio Bravo, em que este revela os principais procedimentos e critérios de leitura que guiaram sua tradução.

O resultado nem sempre é feliz (já que alguns versos são truncados, há uma leitura equivocada do metro do epigrama 5.72, que está escrito apenas em hexâmetros etc.); no entanto, Bravo consegue realizar algumas pérolas, como é o caso da tradução de 5.47: "Rezei por tantas vezes, Teleia, por tê-la / enchendo de viçoso amor meu peito; / agora que chegaste com teus doces membros, / nua, cansado, meu membro se abate. / Ó vigor, por que sofres? Levanta e não cedas, / encontrarás assim melhor fortuna".

Entre o riso da brochada e o rigor da poesia, Rufino fez poesia fina que tanto circulava a ponto de ser reunida em antologias que cruzaram o tempo.

Bravo hoje nos concede a promessa de um livro perdido desse epigramatista obscuro, em grego e português. Rufino, entre trancos e barrancos da história, agora chega muito bem ao Brasil.

​Guilherme Gontijo Flores
Professor de língua e literatura latinas na UFPR e tradutor

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