O poeta Jorge da Cunha Lima escreveu um poema em homenagem a Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, morto em 21/8.
"Assisti a todas as suas incursões teatrais e acompanhei seus ensaios. Sempre me indaguei qual seria seu nicho, de corpo e alma", diz Cunha Lima, que também é vice-presidente do Conselho Curador da TV Cultura. "Esta ode não me responde [a indagação], mas me ajuda a indagar melhor."
Leia abaixo os versos escritos por ele.
Ode a Otavio Frias Filho, um Dramaturgo Editor
I
O Otavio Frias Filho, da Folha,
Todo mundo há de louvar.
Louvo o artista, em outra folha
Escritor de ensaio, teatro e dor.
Em sua primeira peça
O faraó poderia ser ele,
Se Otavio fosse um egípcio.
Na mais recente ele foi ele.
Quando retrata o ator aprendiz
Otavio estava presente,
Com o corpo e a mente.
Gente de mais altura só o paradoxo entende.
Otavio foi o editor da tragédia presente,
Podia ser o autor da tragédia permanente.
Tinha o corpo rígido
De um adolescente frágil,
Mas no trabalho era intransigente.
Como editor não dava trégua,
Mas se deliciava com a poesia,
Era intelectual, autor e ator,
Emoção que não dispensa a razão.
Seu grande pai jogou todos os dados
na mesa incerta da comunicação,
Não deixando ao Luiz e a ele outra opção.
Dificultando ao autor
As certezas da incerteza interior.
Que importa.
A vida não tem uma só porta.
Otavio entrou pelas duas
E se houve bem, como se fosse uma.
Tinha escondidos, nos dedos,
Os dados de Mallarmé.
Fui amigo do velho Frias
Em encontros frequentes
Que mudaram minha forma
Casta de ver o horizonte.
Parecia feliz com os filhos,
Contente com o do negócio,
Orgulhoso com o da notícia.
O filho da notícia,
Que canto nesta Ode,
Noticiava diferente,
Pela república, com diversidade.
Dava emprego para os jovens,
Filósofos, jornalistas e até economistas.
Abriu janelas para tendências enrustidas,
Colunas para colunistas de várias seitas,
Enquanto perdurasse a ficha limpa.
Jogou detergente nos fundamentalistas.
Todo jornal que põe a mão na ferida,
Tem normas, no olhar e na Redação,
Para avisar que não há ética na contra mão.
Poucos jornais como a Folha têm um guardião
Que escuta o leitor, a mais profunda opinião.
Otavinho me lembra um pouco Aquiles,
Que dispensou os conselhos de Thetis
De ser imortal, preferiu viver armado,
A derrubar o muro dos preconceitos
E dessas verdades pela metade.
Melhor que eternizar-se é deixar um recado.
Não sei em que nicho do mistério
Otavio se recolheu –
Se tirando sarro de Orfeu
Ou aprovando um editorial.
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