Desemprego é pior hoje do que no Brasil de 'Vale Tudo'

Momento atual espelha o país arrasado retratado pela novela há 30 anos

Regina Duarte e Beatriz Segall em cena de 'Vale Tudo', da Globo, hoje reprisada pelo canal Viva

Quando “Vale Tudo” foi exibida pela primeira vez, no fim dos anos 1980, o desemprego no país, em média anual, era inferior a 5%. Daria um salto na década seguinte, chegando próximo a 10% em 1995 e ultrapassando os 12% em 2002.

Ou seja, em relação ao trabalho, estamos pior do que o país que Raquel e Ivan, os mocinhos da trama de Gilberto Braga, enfrentaram. O desemprego no Brasil esteve colado nos 13% no primeiro semestre deste ano, segundo o IBGE.

É a quarta vez que a novela “Vale Tudo”, clássico de 1988, está sendo reprisada. Houve a reexibição de 1992, ainda na Globo, e a de 2010, no canal Viva. Mas, de todas elas, talvez seja esta (de novo no canal Viva) a que caiu melhor como espécie de maldição.

“Vale Tudo” voltou, 30 anos depois, para espelhar um brasileiro que teve a autoestima borrada por verdades distorcidas na boca de ricos corruptos, muito antes de Odete Roitman (Beatriz Segal) redescobrir o Brasil colonial com suas frases geniais.

“Esse povo não vai para frente, as pessoas aqui não trabalham, desde que eu me conheço por gente que se fala em crise nesse país”,dizia a megera.

Na mesma cena, durante um jantar com a irmã, o filho e a namorada do filho, a vilã prossegue: “É um povo preguiçoso, uma mistura de raças que não deu certo”. 

Quem interrompe é a irmã Celina (Nathalia Timberg), com seu perfil super aprazível: "acho que a conversa está ficando pesada demais para o ponto do meu suflê”.

A diferença de contextos entre a primeira exibição e a quarta reprise, diz à Folha Antônio Fagundes, o galã do folhetim, é que a gora, com as redes, “temos um monte de Odetes por aí”. Há 30 anos, “havia duas ou três;agora são milhões emitindo suas opiniões raivosas”, completa o ator. Desemprego é pior hoje do que no Brasil de ‘Vale Tudo’ momento atual espelha o país arrasado retratado pela novela há 30 anos

O retrato que Braga faz do povo brasileiro é, na verdade, oposto àquele que Odete pinta entre um jantar e outro. Todo mundo trabalhava em “Vale Tudo”, e foi isso o que tornou a novela diferente daquelas que só mostravam cenas da sinhazinha cozinhando ou chorando no portão.

Nos primeiros capítulos, Leila (Cássia Kis Magro), dona de casa de classe média, se angustia com a falta de trabalho.

Mais para a frente na trama, ela vai batalhar uma vaga na revista Tomorrow, como secretária. E não vai escapar de ser assediada pelo patrão.

Ivan (Fagundes) é um executivo ambicioso que se emprega na companhia aérea que pertence a Odete. A faxineira (Maria Gladys) deixa de ser aquela personagem que, em outras histórias, passa ao fundo da cena. Desbocada, ela desempenha um papel relativamente importante ao mostrar como vive e pensa a ralé.

Por fim, existe Raquel (Regina Duarte), a protagonista.

Depois de perder todo o dinheiro em um golpe dado pela própria filha, Maria de Fátima (Glória Pires), ela vai vender sanduíches na praia. Sua ascensão como cozinheira e dona de restaurante é o eixo central de uma trama que não deixa o otimismo de lado.

Até para os modelos de hoje, a novela tem diálogos estranhamente decalcados da vida do trabalhador. Quando estão na cama, Raquel e Ivan não conversam sobre uma paixão sem fim.

“Esquisito essa tal Odete estar te chamando para jantar: nunca ouvi falar de dona de empresa oferecer banquete para empregado”, diz Raquel, passando a mão no peito peludo do companheiro.“ Sei de gente capaz, que trabalhou anos numa empresa e nunca conheceu o dono da empresa.”

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