Diretor que reinventou o documentário ao filmar detalhes da vida ganha vitrine

Obra de David Perlov, nascido no Rio e radicado em Israel, tem exibição em festival paulistano

O cineasta David Perlov em seu apartamento na cidade de Tel Aviv, em Israel, durante a filmagem de um dos seus diários - Divulgação
Naief Haddad
São Paulo

David Perlov, um dos mais inovadores documentaristas da segunda metade do século 20, nasceu no Brasil. Mas sua obra é muito pouco conhecida entre o público cinéfilo do país.

Nesta terça (14), o Festival de Cinema Judaico e o IMS (Instituto Moreira Salles) dão um passo para a divulgação dos filmes do diretor por aqui.

Como parte da 22ª edição da mostra paulistana, o IMS exibe "Volta ao Brasil", o terceiro e último capítulo da série "Diário Revisitado 1990-1999", composta ainda por "Infância Protegida" e "Rotina e Rituais".

As três partes saem em um DVD, que também será lançado nesta terça no IMS. O instituto já tinha em seu catálogo a caixa "Diário 1973-1983".

Perlov nasceu em uma família judaica no Rio de Janeiro em 1930 e passou seus dez primeiros anos em Belo Horizonte. Em seguida, mudou-se para São Paulo.

Com talento para a pintura e o desenho, começou a ter aulas com Lasar Segall e deu continuidade a esses estudos em Paris, para onde emigrou em 1952. No entanto, uma sessão do clássico "Zero de Conduta", de Jean Vigo, teve um efeito radical sobre ele.

Perlov deixou as artes plásticas para se dedicar aos filmes e logo passou a colaborar com nomes fundamentais do cinema francês nos anos 50, como Joris Ivens, documentarista holandês radicado em Paris.

Ao lançar seu primeiro curta, "Tia Chinesa e os Outros" (1957), Perlov foi chamado de "discípulo de Vigo" pelo crítico Paulo Emílio Salles Gomes, conforme lembra a pesquisadora Ilana Feldman no ensaio "As Janelas de David Perlov".

Sua obra, contudo, ganhou relevância de fato quando ele se mudou com a família para Israel --viveu inicialmente em um kibutz e depois em Tel Aviv, onde permaneceu até a morte, em 2003.

Filmes como "Em Jerusalém" (1963), documentário premiado no Festival de Veneza, consolidaram Perlov como um dos pais do moderno cinema de Israel.

Mas a obra consagradora estava por vir. Em 1973, comprou uma câmera modesta para explorar novos caminhos em virtude das dificuldades para financiar os projetos que acalentava até então.

Nas suas palavras, começou "a filmar para mim mesmo e por mim mesmo. O cinema profissional não me interessa mais. Eu filmo dia após dia à procura de outra coisa".

Surgiam os primeiros episódios que compõem o ápice de sua produção, "Diário 1973-1983".

De modo aparentemente simples, quase sempre dentro do seu apartamento em Tel Aviv, ele deu início ao registro de miudezas do dia a dia, como as brincadeiras das filhas, Naomi e Yael.

"Quanto mais filmo, mais próximo quero ficar do cotidiano, das coisas comuns. Mas continuo caindo em armadilhas, tramas e dramas", afirmou o documentarista.

Conflitos no Oriente Médio estavam entre essas "armadilhas". Com a câmera na janela, observava protestos nas ruas, como uma manifestação contra a invasão do Líbano pelo Exército de Israel, em 1982.

Para o crítico italiano Maurizio G. de Bonis, em ensaio publicado há uma década, Perlov desenvolve um "método de escrever poesia por meio de um diário íntimo.

Abandona intencionalmente a posição de artista demiurgo e intérprete/manipulador da realidade para se colocar na condição muito mais trabalhosa e ousada de observador incansável, sem condições inabaláveis".

"Diário Revisitado" estende para os anos 90, sem variações radicais, a obra máxima do diretor, construída nas duas décadas anteriores.

Parte final da série, "Volta ao Brasil" é o registro da última viagem dele ao seu país natal.

No Rio, entre outras cenas, retrata magistralmente crianças no bonde de Santa Tereza.

Em São Paulo, põe a memória a serviço do cinema e vice-versa. Filma os sobrados da Vila Mariana sob chuva fina. "Sorte minha que meu bairro resistiu ao tempo."

Em Belo Horizonte, ao som do "Requiem", de Fauré, revê a casa precária onde morou.

Naqueles anos, final da década de 1990, o Brasil parecia prestes a dar certo. Ou seria o olhar generoso —jamais ingênuo— de David Perlov?

Exibição de 'Volta ao Brasil' e lançamento do DVD 'Diário Revisitado 1990-1999'

Terça (14), às 19h30. Onde: IMS SP (av. Paulista, 2.424). Quanto: sessão de "Volta ao Brasil", R$ 20; DVD, R$ 44,90.

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