Descrição de chapéu Livros

Leia entrevista com V. S. Naipaul, convidado da Bienal de 1994

Escritor pagou a própria passagem aérea, hospedou-se no Crowne Plaza e foi ríspido com jornalista da Folha

Escritor V. S. Naipaul no hotel Crowne Plaza em 1994, ano em que veio ao Brasil para lançar seu romance na Bienal do Livro - Luiz Novaes - 25.ago.94/Folhapress
São Paulo

Em São Paulo para divulgar 'Um Caminho no Mundo' na Bienal do Livro, V. S. Naipaul, morto neste sábado (11), aos 85 anos, pagou sua própria passagem e se hospedou no hotel Crowne Plaza. 

Era 1994. O Nobel de Literatura só viria anos depois, em 2001.

Aproveitou a passagem pela cidade para ler um trecho de sua obra na Cultura Inglesa de Pinheiros e conceder uma entrevista à Folha, na qual foi ríspido com a jornalista Maria Ercilia em diversos momentos. "Sou mais importante que muitos escritores. Você não pode falar disso comigo", afirmou, ao ser questionado sobre ser escritor em um país colonial.

Leia trechos abaixo:

 

O sr. afirmou certa vez que o romance tradicional nunca existiu, e que o bom trabalho é sempre novo. Já afirmou também que por vezes foi prisioneiro da forma. Qualifica estes dois livros de novos?
Mas escrevi tanto em minha carreira, são 40 anos de trabalho. Muito poucas pessoas leram de fato meus livros. As pessoas blefam a respeito. Eu escrevi dois livros sobre a Índia. Isto é um fato importante. Estes dois livros não são novos por causa disso. Eu tentei escrever quem era o escritor daquelas palavras.

O sr. chama "Um Caminho no Mundo" de sequência.
Odeio a palavra romance. No século 19 foi uma grande palavra. Os romances eram a forma em que coisas importantes foram ditas sobre a sociedade e o homem. Hoje acho que significa um best-seller, alguém se mostrando.

Por que, em seus relatos autobiográficos, o sr. exclui detalhes pessoais?
Seria chato.

O sr. acha que sua mente é menos chata que sua vida pessoal?
Claro. Senão estaria escrevendo sobre trivialidades, seria particular demais. Não quero saber de enredo, não me interessa descobrir "quem é o assassino". A narrativa me interessa. E jamais leio o que se escreve sobre mim.

O escritor inglês Will Self, que está no Brasil para lançar um livro na Bienal, afirmou que admira muito seu estilo, mas que o considera racista. É uma opinião partilhada por muitos críticos e escritores.
Provavelmente ele não conhece meu trabalho. Não sei. Não é uma coisa para eu responder. É para você decidir. Não é problema meu.

O sr. tem uma preocupação de refazer a história das colônias?
Não trabalho desta forma. Os impérios sobre os quais escrevo morreram há 50 anos. Não estou em guerra contra eles. Isto é para outras pessoas. Não estou reescrevendo a história de ninguém. Escrevi dois livros sobre a Índia. Um deles talvez seja meu trabalho mais importante.

É verdade que as vozes femininas o irritam?
Há vozes de mulheres demais no rádio. Parei de ouvir rádio. As mulheres estão tendo hoje de lidar com os clichês com que os homens sempre lidaram, fica caricatural.

O senhor disse estar aliviado por sua audição estar se deteriorando.
Exato. Não sofro mais. Não ouço o tráfego. O ruído já não me causa tanta dor.

Por que o senhor evita temas como o sexo, o amor e as mulheres em seus livros?
Não é verdade. Tenho dois grandes livros sobre isso. Não vou lhe dizer quais. Apenas não lido com este assunto sempre.

Em "Um Caminho no Mundo" e "O Enigma da Chegada", o principal tema parece ser a dificuldade específica de ser escritor num país colonial.
Não se pode falar assim deste assunto. Tenho uma carreira de 40 anos. Sou mais importante que muitos escritores. Você não pode falar disso comigo. Minha família é muito rica, muito bem de vida. Não posso fingir que sou um mendigo ignorante. A verdade é que não havia muitas pessoas fazendo o que fiz naquela época. Tornei as coisas mais fáceis para os outros.

Mas é um tema seu, é o material de seus livros.
Exato, já escrevi muito sobre este tema, escrevi sobre a Índia, gostaria muito que meu editor publicasse esse livro no Brasil, mas é um trabalho de mil páginas, as pessoas não estão interessadas.
Mas não interesso por essas questões. Conheço mais do mundo que a maioria das pessoas. Não estou em periferia nenhuma. Estou muito mais no centro que você.

Seu pai foi jornalista e escritor, seu irmão também. Isto teve alguma influência sobre o sr.?
Não posso falar sobre isso. Já escrevi sobre este assunto, não tenho mais nada a dizer. O importante no momento é meu último livro. Você acha que já temos o suficiente [da entrevista]?
Não a desapontei? Não sou um bom propagandista de meus livros.

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