No centenário de Irving Penn, mostra exibe desde ensaios de moda a tribos aborígenes

Americano tem as sete décadas da carreira revisitadas em mostra no Instituto Moreira Salles

Isabella Menon
São Paulo

Marlene Dietrich chegou com pressa ao estúdio de Irving Penn, deu ordens ao fotógrafo de que fizesse um retrato a partir de certo ângulo, da forma que ela queria. Calmo, ele rebateu e disse que dirigiria uma cena. Emburrada, ainda de costas, ela se virou para retrucar. O fotógrafo, então, aproveitou e clicou o momento de fúria da artista e cantora alemã, em 1948. 

O registro é uma das raras exceções entre as imagens mais coreografadas que marcaram sete décadas de atuação do fotógrafo americano, relembrados agora em exposição na sede paulistana do Instituto Moreira Salles. 

A mostra foi montada pelo Metropolitan Museum de Nova York, que detém o acervo de Penn, para celebrar o centenário do fotógrafo, no ano passado. Sua carreira, iniciada durante a Grande Depressão nos Estados Unidos, só se interrompeu pouco antes de ele morrer, aos 92 anos, em 2009.

As ruas tomadas pelo vazio e pela melancolia dos anos 1930 em meio à recessão econômica serviram de cenário para jovens fotógrafos como Penn —essas são das poucas imagens captadas fora do estúdio por ele, que gostava de controlar todos os detalhes. 

O início do trabalho artístico não foi como Penn havia previsto. Formado como diretor de arte, tentou, durante um curto período, ser pintor. Insatisfeito quanto à sua habilidade com os pincéis, Penn não levou a tentativa muito adiante. Os estudos artísticos, contudo, não foram desperdiçados e se fizeram presentes no tato com a câmera fotográfica.

“Ele costumava dar dicas aos fotógrafos de como dirigir um cenário. Um dia, se cansou e resolveu pôr suas próprias ideias em prática. Apaixonado pelo surrealismo, levou uma pitada do movimento artístico para a sua primeira capa da Vogue”, recorda Jeff Rosenheim, chefe do setor de fotografia do Metropolitan.

Para aquela capa, Penn fez sua primeira fotografia em cores. Nela, reuniu uma bolsa, luvas e outros acessórios a uma imagem de frutos cítricos.

A atenção aos detalhes também se deve à influência de seu pai, “que, como relojoeiro, tinha habilidades manuais e pensava em todas as pequenas peças de suas composições”, afirma Rosenheim, curador, com Maria Morris, da mostra, que reúne 230 fotos.

Após a Segunda Guerra, e em meio aos esforços de reconstrução da sociedade, a direção da Vogue decidiu que Penn deveria voltar os olhos para bem longe da destruição da Europa, retratando grandes figuras da época, entre elas Salvador Dalí, Truman Capote e Audrey Hepburn.

Ele desenvolveu um novo estilo para fotografar as estrelas, no qual não fazia a menor questão de esconder as imperfeições do cenário. “Ele fotografa [o arquiteto franco-suíço] Le Corbusier de terno em cima de um carpete sujo com um chão cheio de marcas”, comenta Rosenheim. 

“Nada do que ele faz foi achado, tudo foi criado. Penn não queria fazer retratos que sugerissem estilo fino. Isso fazia com que as pessoas esperassem ansiosas pelas edições seguintes”, acrescenta. 

A vasta carreira de Penn não ficou marcada só pelas personalidades. Em uma viagem ao Peru, em 1948, seu olhar mudou. Após dias passando mal com a altitude em Cusco, ele descobriu um pequeno estúdio em frente ao seu hotel e começou a fotografar locais. 

“Foi nessa viagem ao Peru que Penn entendeu a importância do caimento de uma peça de roupa no corpo”, diz Rosenheim, apontando para a foto de uma mulher descalça que posa de costas com uma saia longa, chapéu coco sobre as tranças e um lenço.

A moda dos anos 1950, com  cinturas estreitas e saias pregueadas, encontra valorização nesse olhar renovado. “Ele foi o fotógrafo que mais assinou capas da Vogue e entendeu a importância da linha e da silhueta”, afirma o curador.

Mas, se Penn soube destacar os detalhes da moda e do glamour, também se interessou em retratar trabalhadores. Enquanto modelos eram maquiadas e aprontadas para as fotos, ele pedia aos funcionários das redondezas que subissem ao seu estúdio. 

Em seu fotolivro “Worlds in a Small World”, Penn descreveria o processo. “Eu preferia a tarefa limitada de lidar apenas com a própria pessoa, longe dos aspectos acidentais da sua vida cotidiana, com suas próprias roupas, isolada no meu estúdio”. 

Em Londres, retratou um vendedor de camurça com peças de pele sobre o corpo; em Nova York, um carvoeiro com sua pá; e, em Paris, confeiteiros com as mãos enfarinhadas. Os resultados do projeto, iniciado na capital francesa, para onde Penn fora enviado pela Vogue para clicar o vestuário do verão de 1949, foram em parte divulgados pela influente revista de moda. 

A paixão pelas artes retorna quando, inspirado por Matisse e as suas “famosas mulheres preenchidas”, como define o curador da mostra, Penn faz uma série de nus que não estampariam a Vogue da época, com suas “magricelas com cara de famintas”, como ele dizia. 

O curto período em que ele explora a nudez com corpos de mulheres anônimas, em que ressaltam seus pelos e gorduras, marca o início da segunda parte da mostra.

“Essa série de fotos não agradou muitas pessoas”, relembra o chefe do Metropolitan, que esteve ao lado do fotógrafo quando ele resolveu expor, nos anos 2000, imagens feitas no final dos anos 1940. 

“As críticas foram ótimas, mas, quando perguntávamos, as pessoas diziam que não lhes agradava que as fotos não mostrassem os corpos por completo e que escondessem os rostos das mulheres.”

Penn continuaria explorando os limites de seu trabalho e se deixando influenciar por novas experiências, como quando, na Nova Guiné, registra aborígenes. As imagens, com tecidos estampados feitos pelas tribos e amarrações de cabelos, foram estampadas na Vogue nos anos 1960.

Penn zelava pela impressão das imagens. Às vezes, ampliava os mesmos negativos por anos seguidos, dando diferentes efeitos às fotos. “Penn era um explorador da mídia, além de um criador de imagens”, diz Rosenheim.

Irving Penn: Centenário 
Instituto Moreira Salles. av. Paulista, 2.424. Ter. e qua. e sex. a dom., das 10h às 20h. Qui., 10h às 22h. Até 18/11. Grátis

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