O maestro João Carlos Martins se diz uma pessoa muito supersticiosa. Tanto que relutou em ser tema de documentário e de desfile de escola de samba, pela Vai-Vai.
Também desacreditou da ideia de sua história virar um espetáculo teatral. "Falei que nem quero saber o que vai acontecer", conta o maestro.
O resultado, "Concerto para João", que estreia nesta sexta-feira (10) em São Paulo, não faz uma biografia de Martins. "Mas é como se tivessem entrado na minha cabeça."
De fato, é pela mente do maestro que trafega o espetáculo, escrito por Sérgio Roveri e dirigido por Cassio Scapin.
A história transita entre fatos reais e delírios do protagonista. Algo próximo de um realismo fantástico, diz Rodrigo Pandolfo, que vive o maestro na montagem e já havia interpretado um jovem João Carlos Martins na cinebiografia "João, o Maestro", filme de 2017 dirigido por Mauro Lima.
Tudo é narrado a partir de uma das 23 cirurgias por que passou o maestro. Nesta, permaneceu nove horas acordado, respondendo a estímulos, enquanto uma equipe médica operava o seu cérebro para tentar reverter a paralisia que acometera suas mãos.
Na mesa de cirurgia, ele rememora sua trajetória, da promissora carreira de pianista aos percalços: uma perfuração no braço, durante uma partida de futebol, que lesionou um nervo aos 25 anos, e uma sequela cerebral, três décadas depois, resultado do golpe desferido por um assaltante na Bulgária que comprometeu os movimentos dos dedos.
"Já morri várias vezes", define o protagonista a seu médico (Duda Mamberti).
"A pior coisa que aconteceu na minha vida foi perder as mãos para o piano. E a melhor coisa que aconteceu na minha vida foi perder as mãos para o piano", afirma o maestro, que começou a reger aos 64, devido à dificuldade em tocar. "Na regência, encontrei no íntimo o que eu tinha como pianista."
É justamente o particular que se busca ressaltar na montagem. Ficam evidentes as inseguranças e a obstinação de Martins, sua religiosidade e sua relação com a obra de Bach, a quem se dedicou durante a sua carreira.
Uma pesquisa do "perfeccionismo aliado à emoção", diz o artista, que desde 2006 comanda a Fundação Bachiana, que divulga música clássica.
"Na peça, fazemos um recorte da vida do maestro e mostramos a relação dele com a arte e a impossibilidade de um artista em exercer a sua função", comenta Scapin.
Há embates —em especial durante as suas conversas com o médico— sobre o fazer artístico, a fé e a ciência.
Mas nada se prende à fidelidade biográfica. Sua relação com mulheres, por exemplo, é resumida numa única figura feminina, interpretada pela atriz Michelle Boesche.
Como se trata de delírios, Pandolfo tampouco mimetiza as diferentes idades do maestro, mas concentra especial atenção às mãos, instrumento e empeço do maestro.
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