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Felipe Fortuna

Que tal fazer uma Flip dedicada a um tema, e não a escritores?

Não se conhece bem a obra de Hilda Hilst sem mencionar o seu conservadorismo, a sua retórica solene e altissonante

Felipe Fortuna

Em artigo recente sobre Hilda Hilst, lembrei a serena avaliação do crítico Nogueira Moutinho acerca de “Poesia” (1959-1967), que a poeta paulista acabara de publicar: “O volume, infelizmente, parece ter sido elaborado à la diable”, não sendo possível saber se era uma antologia ou uma reunião de toda a obra poética.” 

Ocorre que Hilda Hilst, sem qualquer advertência, suprimiu os seus três primeiros livros de poemas, possivelmente ao fim de um processo de autoavaliação. O seu crítico, na mesma resenha, observou que Cecília Meireles e Jorge de Lima nutriam a poesia de Hilda Hilst, sem que esta alcançasse igual magnitude. “Não é uma iniciadora, uma criadora original”, concluía ele. 

No meu artigo, questiono o porquê de se dedicar a Flip a uma escritora que frequentou as páginas da imprensa bem mais pelas aparições mundanas do que pela qualidade de sua obra. 

Recordo agora que Carlos Drummond de Andrade, lúcido observador, escreveu o seguinte poema (publicado nesta Folha em 6 de abril de 1991): “Abro a Folha da Manhã. / Por entre espécies grã-finas, / emerge de musselinas / Hilda, estrela Aldebarã. // Tanto vestido assinado / cobre e recobre de vez / sua preclara nudez! / Me sinto mui perturbado.” O poema segue assim nas quatro quadras seguintes. 

Por outro lado, não se conhece bem a obra de Hilda Hilst sem mencionar o seu conservadorismo, a sua retórica solene e altissonante —e, em especial, a ausência de atitude feminista ou libertadora. Tudo isso transmiti no meu artigo escrito para a Folha.

Por isso mesmo, lamento que Joselia Aguiar tenha mencionado meu nome em texto publicado na terça (14) ao afirmar que fui redutor ao apenas citar a “tentativa de Hilda Hilst de falar com mortos e sua pornografia”. Fiz muito mais do que isso. 

E a lista de nomes daqueles que participaram da Flip mais se assemelha, em seu artigo, a uma prestação de contas do que em argumentos consistentes a comprovar que “cresceu na última década o interesse em sua obra por parte de pesquisadores”. Espera-se mais de uma curadoria.

Fica aqui uma ideia: por que não fazer uma Flip dedicada a um assunto, e não mais a escritores de importância apenas relativa? Algo assim como “loucura e arte”, “pobreza”, “ciúmes”, que reuniriam diversos escritores, e não apenas um solitário escritor cujos livros recém-lançados precisam escoar para o mercado.

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