'Querido Embaixador' se ancora em personagem extraordinário

Filme narra o percurso de Luiz Martins de Souza Dantas, embaixador brasileiro em Paris entre 1922 e 1944

Querido embaixador [Querido embaixador, Brasil, 2017], de Luiz Fernando Goulart (Elo Company). Gênero: drama. Elenco: Norival Rizzo, Miriam Mehler, Felipe Rocha. Classificação: 16 anos
O ator Norival Rizzo, protagonista de 'Querido Embaixador' - Divulgação
Lúcia Monteiro

Querido Embaixador

  • Quando Em cartaz
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Norival Rizzo, Miriam Mehler, Felipe Rocha
  • Produção Brasil, 2017
  • Direção Luiz Fernando Goulart

Os intercâmbios e contaminações entre filme de ficção e documentário já renderam alguns dos melhores momentos do cinema mundial –dos docudramas de Jean Rouch às fabulações dos personagens de Eduardo Coutinho, passando por distopias audiovisuais como as de Peter Watkins ("The War Game", 1965) e Chris Marker ("2084", 1984), entre muitos outros exemplos.

É nessa fronteira porosa, pela qual transitam imagens de arquivo, depoimentos e encenação, que "Querido Embaixador" se inscreve. Dirigido por Luiz Fernando Goulart, o longa-metragem narra o percurso de Luiz Martins de Souza Dantas (1876-1954), embaixador brasileiro em Paris entre 1922 e 1944.

Trata-se de um personagem extraordinário. Bon-vivant absolutamente apaixonado pela capital francesa e suas delícias, desde a ascensão do nazismo o diplomata forneceu mais de mil vistos para o Brasil a judeus europeus na iminência da deportação e da morte. Isso apesar da interdição expressa do governo de Getúlio Vargas, que proibia as embaixadas brasileiras a concederem vistos a "judeus e outras pessoas indesejáveis".

A porção mais "documental" do filme conta com boas entrevistas com imigrantes e seus descendentes que sobreviveram graças à ajuda do embaixador, além de  preciosos arquivos fílmicos encontrados em acervos de instituições como a Fundação Pathé, na França, e o Museu do Holocausto, em Nova York.

Há belos documentos da realidade de Paris e do Rio de Janeiro entre as décadas de 1920 e 1950, e sobretudo imagens terríveis da expulsão de judeus de cidades europeias. É pena, porém, que essas imagens de arquivo,  não cheguem a ser suficientemente valorizadas no filme. Aparecem, na maioria das vezes, com um estatuto de ilustração pouco apropriado diante da gravidade do que é exibido.

Há, por outro lado, a encenação de momentos marcantes da vida de Souza Dantas, e é aí que se encontra o principal problema do longa. O português falado pelo elenco, de forte sotaque carioca, compromete a verossimilhança das histórias, que adquirem, assim, uma incômoda semelhança com as telenovelas.

Outra dificuldade do filme é seu didatismo. As cartas que o embaixador escreve são lidas por ele e vistas na tela, junto com o barulho da pena que desliza sobre o papel. Os diálogos têm tom professoral e, apesar do valor de preservarem o vocabulário da época, soam pouco verdadeiros.

Essas fraquezas talvez fiquem ainda mais evidentes nas sequências em que depoimentos, imagens de arquivo e encenação aparecem juntos, como um sinal de indecisão sobre qual caminho seguir que acaba provocando redundância.

O casamento entre documentário e ficção não se dá, aqui, em nome da ambivalência, mas da explicação quase excessiva.

É verdade, porém, que nos sombrios tempos que vivemos, marcados pela hostilidade diante do estrangeiro e pela triste realidade dos refugiados, é preciso contar e recontar com clareza histórias como a de Souza Dantas, valorizando seu humanismo.

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