Violência contra os negros é tema de escultor americano que retorce metais

Artista Melvin Edwards converte garfos e ferraduras em obras e ganha mostra no Masp

Danielle Brant
Nova York

O escultor Melvin Edwards, 81, não acha que suas obras são uma forma de protesto social, embora os temas escolhidos possam facilmente ser enquadrados nessa concepção —linchamento de negros, segregação racial e toda forma de preconceito.

"Expressar-se socialmente no trabalho é natural, nós criamos a sociedade. Meu trabalho é uma expressão social, e não protesto social. Não está limitado a isso, ou você não está prestando atenção ao que está vendo", afirmou, em entrevista à Folha.

O artista abstrato e primeiro escultor afro-americano a expor individualmente no museu Whitney, em Nova York, agora ganha sua primeira mostra individual no Masp.

A partir do dia 24, o museu traz 37 esculturas da série "Fragmentos Linchados", a mais conhecida do artista. Ele virá ao evento.

Nas mãos de Edwards, cuja formação artística se deu na progressista Los Angeles, as obras começam a surgir a partir de um título ou de um tema. O escultor, então, passa a moldar correntes, cadeados, garfos, ferraduras, pás e chaves-inglesas --até que ganhem a forma desejada.

"Se quiser uma interpretação poética, são experimentos quase sempre. Quero mudar as coisas, e elas se desenvolvem conforme vou mexendo."

As obras se espalham por três períodos: início dos anos 1960, com a violência racial nos EUA; começo da década seguinte, dedicado à Guerra do Vietnã; e de 1978 até agora, com uma exploração nostálgica da cultura africana.

"Palmares" (1988) foi baseada nas percepções que o artista teve durante duas viagens que fez ao Brasil dois anos antes. A história por trás do quilombo é evocada por correntes que representavam os escravos fugidos e pela lembrança da mordaça aplicada aos negros escravizados.

"Oyo", de 2010, usa correntes, porcas e lâminas para aludir a um império iorubá, em mais um aceno à africanidade.

A etapa inicial de suas esculturas tem como contexto a luta do movimento afro-americano por direitos civis. E como pano de fundo uma parte da história que choca até hoje: os linchamentos de negros.

Uma de suas peças mais conhecidas, "Some Bright Morning", de 1963, traz lanças, correntes e pedaços de aço retorcidos que rememoram a violência racial na Flórida. A obra, que não virá para a sua mostra agora no Brasil, surgiu depois que Edwards leu a respeito da história no livro "100 Years of Lynchings" (cem anos de linchamentos), de Ralph Ginzburg.

Um caso atraiu atenção na época: a morte do adolescente Emmett Till. Aos 14 anos e em visita ao Mississippi, ele foi brutalmente espancado depois de supostamente assobiar para a mulher branca do dono de uma mercearia. Seu corpo foi jogado em um rio.

No ano passado, esse episódio esteve no centro de uma discussão sobre apropriação cultural. Na Bienal do Whitney, a artista Dana Schutz representou o rosto mutilado do adolescente e foi criticada por ser uma mulher branca se debruçando sobre uma questão dolorosa para os negros.

Para Edwards, qualificar a pintura de Schutz como apropriação cultural é simplismo. "Foi interessante porque trouxe ao público uma lembrança. A maioria não sabia quem era Emmett Till", diz o artista.

Nascido em Houston, no Texas, ele começou a lidar com a segregação racial ainda pequeno, em escolas só para negros. "Não era bom, mas conseguimos transformar a segregação para nosso benefício."

Exposições

Melvin Edwards: Fragmentos Linchados

Museus

Conhecido por suas esculturas abstratas em metal, o americano Melvin Edwards ganha sua primeira individual em um museu brasileiro a partir desta sexta (24). No Masp, o artista exibe 37 obras da série

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