Cantor criado em monastério faz som que mistura o sobrenatural e o folclore

Castello Branco lança 'Castello Dança - Sintoma', que adiciona elementos eletrônicos à sua música

Luiza Fecarotta
São Paulo

Castello Branco tem quatro mães. Gosta, particularmente, de "crianças e velhos". Cresceu em um monastério educado com rigidez por mulheres ativistas a seguir valores orientais --o celibato ("as relações têm de ser equilibradas"), a lei do silêncio ("falar o mínimo possível"), a pobreza por escolha ("não existe o que é seu, existe o que é de todos").

Ainda que marcado por uma curta vida adulta nômade —tem 31 anos e hoje mora em São Paulo—, passou a infância isolado em uma fazenda no Rio de Janeiro. Na comunidade ecumênica, "a serviço do outro", plantava e colhia os vegetais de sua alimentação macrobiótica, encapsulava ervas secas para fazer remédios e ouvia mantras tibetanos e música sacra.

Tornou-se, pois, compositor e, em carreira solo, na qual também toca violão, lança o primeiro disco do projeto Castello Dança em plataformas digitais nesta sexta-feira (21).

As músicas ganharão o formato vinil em outubro, com capa de Nestor Júnior, artista visual que já participou de mostras no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, e show de lançamento na Casa Natura previsto para 20/10, com participação de Clarice Falcão.

"Castello Dança - Sintoma" é resultado de um trabalho com DJs e produtores de países como Argentina, Alemanha e Inglaterra, que incorporaram elementos eletrônicos e instrumentos às faixas de seu segundo trabalho, num remix orgânico, que conjuga máquina e homem.

Trata-de se um estilo que "resgata raízes culturais e ainda não tem uma tag", diz Igor Lucarini, 27, produtor do disco e dono do selo Sonido Trópico, empenhado em explorar as tendências da música eletrônica latina. "A gente tentou trazer isso para a MPB. Não é só para escutar na pista de dança, é para ouvir em vários ambientes, para correr, cozinhar, limpar a casa."

Castello, cujo nome espiritual (Niskalkat) faz referência a uma base intraterrena no Alasca, que recebe seres extraterrestres, diz ele, nomeou o seu estilo de "ufoclore". "É um som que tem a capacidade de se conectar com o sobrenatural e, ao mesmo tempo, traz referências folclóricas, uma sabedoria popular, congo, batuques."

Estreitou sua relação com recursos eletrônicos em "Sintoma", disco que o conectou mais profundamente com sintetizadores, repetição, frequência.

"Para mim, a música eletrônica, que é a mais nova que a gente tem, é a mãe de todos os sons. Não é um estilo, é a capacidade de você sintetizar o som." E síntese, no entender de Castello, é um conceito profundo, ligado à poesia, sobretudo neste cenário atual, no qual a "palavra está desgastada".

"O DJ tem a capacidade de ser o novo poeta do século 21", diz ele, também autor do livro "Simpatia", obra independente, lançada em Portugal em 2016, que vendeu mais cópias que seus discos. Está no país lusitano, inclusive, fazendo residência em um coral infantojuvenil, a convite do governo.

No remix, o DJ e produtor Holger Hecler acelerou a música "Meu Reino" e integrou tambores e "mais camadas de sons" à faixa.

"Gosto muito da voz do Castello e da maneira suave com que ele compõe. Tudo parece ter sido cuidadosamente selecionado e gentilmente manipulado, criando o som perfeito para a maneira dele de cantar", diz o alemão.

Na adolescência, porém, teve sua primeira banda indie desfeita porque "cantava mal". "Meus amigos diziam que eu era tecnicamente ruim, mas viam alguma coisa em mim."

Alfabetizado na fazenda, levantava antes de amanhecer, tinha de fazer xixi sentado e varrer o chão duas vezes ao dia. "E eu falava para a minha mãe, 'mas não está sujo', e ela dizia que era preciso fazer aquilo pelo exercício. Hoje, tenho prazer em arrumar e limpar a casa, não é uma coisa ligada à obrigação."

Na comunidade, hoje liderada por uma de suas "mães", que adotou mais de 40 crianças ao longo da vida, Castello diz que um dos maiores exercícios é a desconstrução da relação com o ego.

"Mas eu não gosto dessa palavra, gosto de reconstrução porque ninguém destrói nada e reconstruir é um serviço." Sua mãe biológica hoje "viaja pelo mundo para servir" --faz trabalho voluntário para curar as pessoas. "Ela é monja e tem esse poder curativo. É uma bruxona."

O compositor evita, ainda, dizer fã-clube, quando refere-se a um grupo de admiradores de todo o Brasil, reunidos no WhatsApp. Nomeou o grupo de Anu, que também batiza uma faixa de seu primeiro álbum, "Serviço" (2013). "Anu é um pássaro, que limpa o gado, serve o gado."

Castello morou por temporadas em outra fazenda, no sul de Minas Gerais, conduzida pelo "filósofo-espiritualista" José Trigueirinho Netto. "Figueira foi a primeira comunidade no Brasil a trazer a proposta de ser um núcleo de serviço."

Também não é afeito à palavra religião --"religião, política e sexualidade são assuntos que dividem as pessoas".

Chegou a fugir do monastério, por uma estrada de terra, a pé, morou com um cenógrafo, para o qual fez todo tipo de trabalho --"eu era chamado de peão genérico [risos]", cuidou de um amigo dependente de drogas ilícitas, por quem até apanhou da polícia.

Na busca por "limpeza e abertura", passou por longos períodos de jejum e praticou outros processos depurativos da cultura oriental que lhe renderam composições como "O Peso do Meu Coração".

Em suas palavras, não adequou-se ao ensino tradicional na escola. Com o apoio do pai, com quem aprendeu a ouvir Caetano Veloso, Ray Charles e Elvis Presley, experimentou fazer faculdade --teatro, cinema, comunicação social. Nunca completou um curso.

Está às voltas, porém, com o quarto álbum, que promete para o ano que vem, no qual exercita, como nos anteriores, a "herança da sua criação".

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.