Brasília, madrugada de 15 de março de 1985. Após o diagnóstico de apendicite aguda, médicos abrem o peritônio de Tancredo Neves, mas encontram o apêndice em perfeito estado, sem infecção.
Na região, descobrem uma protuberância que imaginam ser um divertículo (bolsa que se forma no intestino). Começava ali uma sucessão de erros de diagnóstico e de procedimentos médicos que culminaria na morte do presidente eleito 38 dias depois.
Essas situações, investigadas por 25 anos pelo pesquisador Luís Mir, são relatadas no livro "O Paciente - O Caso Tancredo Neves" e ressurgem agora no filme homônimo.
O divertículo, na verdade, era um leiomioma infectado (tumor benigno do intestino). Mas, por questões políticas (temiam que fosse confundido com câncer), o laudo médico foi fraudado e o diagnóstico de diverticulite, mantido.
Ocorre que, em razão desse equívoco inicial, foi utilizada uma técnica cirúrgica considerada inadequada para o leiomioma, muito vascularizado.
Havia grande chance de sangramento, o que de fato ocorreu após um vaso ser atingido. Isso teria sido determinante para as complicações que levariam o presidente à morte.
Outros procedimentos também teriam prejudicado Tancredo. Por exemplo, a retirada abrupta da ventilação mecânica fez com que seu pulmão fosse encharcado, levando a um quadro de edema agudo e a uma parada cardiorrespiratória, revertida por manobras.
Após cinco dias, em 20 de março, uma segunda cirurgia. De novo um diagnóstico equivocado de obstrução do intestino e um pós-operatório catastrófico. Ainda havia sangramento da sutura da primeira operação e o resultado foi uma hemorragia maior.
Mesmo com as complicações cada vez mais crescentes, os boletins oficiais não indicavam a gravidade do caso. A promessa de alta e da posse do presidente eram mantidas.
Em 25 de março, pouco mais de três horas depois de ter sido divulgada a famosa foto que mostrava a "recuperação" de Tancredo, o presidente sofreu nova hemorragia. Evacuou 3,5 litros de sangue, o que abalou o seu sistema imunológico. No dia seguinte, foi transferido para o InCor, em um avião sem recursos.
A vinda para São Paulo era a primeira escolha da família desde o início, mas a ideia foi descartada pelos médicos de Brasília. Vaidade ou real receio dos riscos que a viagem implicaria? Não dá para saber.
Quando chegou ao InCor, havia pouco a fazer. A partir de 12 de abril, Tancredo passaria a viver por meio de aparelhos. Morreu nove dias depois.
Antes da primeira cirurgia, disse: "Estava pronto para pegar a caneta [para assinar a posse] e vocês vieram com bisturi. Se estiverem errados, vocês me pagam". Até hoje, ninguém foi responsabilizado.
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