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Artes Cênicas

'Cobra na Geladeira' se sai bem ao sublinhar rispidez do texto

Sexo ocupa o eixo temático na peça de Brad Fraser

Bruno Machado

Cobra na Geladeira

  • Quando Sex. e sáb., às 21h, dom., às 20h. Até 16/9
  • Onde Centro Cultural São Paulo, r. Vergueiro, 1.000
  • Preço R$ 30
  • Classificação 16 anos


Não há muito espaço para o amor em “Cobra na Geladeira”. Na peça do canadense Brad Fraser, o sexo ocupa o eixo temático, engendra conflitos e se transmuta, ora em trauma, ora em mercadoria.

Na trama, dirigida por Marco Antônio Pâmio, um velho casarão é reduto de um grupo de desajustados e fracassados. Ávidos por dinheiro fácil, os jovens moradores são presas da ambiciosa Vivian (Regina Maria Remencius), espécie de cafetina que os alicia para shows de sexo via internet.

Surgem temas como abuso sexual infantil, homofobia e dependência química, ora sem atenuantes, ora por meio de subterfúgios, como elementos de suspense.

Um exemplo é Sarah (Tailine Ribeiro), para quem a memória dos estupros sistemáticos da infância é mais aterradora que a visão de um fantasma —aparentemente, a mansão é assombrada—, uma válvula de escape da realidade.

Característica no texto, a inversão brusca de polos, do ameno ao sombrio, do cômico ao trágico, é um desafio para o elenco e a direção. Os complexos personagens revelam diversas facetas que nem todos os intérpretes conseguem explorar satisfatoriamente.

O diretor, por sua vez, se sai melhor ao sublinhar a rispidez da dramaturgia. As cenas são estruturadas em cortes secos, quase cinematográficos, com ação simultânea em diversos planos. Criativo, Pâmio propõe soluções interessantes e mesmo capazes de acrescentar novas leituras para o texto.

A montagem opta por não atualizar a história, escrita em 2000. Além da estranheza cômica causada pelo anacronismo, a escolha se revela sagaz ao apontar que discussões atuais já eram pauta no fim dos anos 1990, como conflitos identitários e raciais e padrões de beleza irreais.

Ainda que vivam a pós-revolução sexual da segunda metade do século 20, os personagens jazem entre as ruínas de um casarão vitoriano. 

São vítimas de uma ética perversa do século 19, mas ainda persistente, que simultaneamente os reprime e os vende como mercadorias num cardápio de fetiches. É essa esquizofrenia a responsável por conflitos, internos e sociais.

A imagem da cobra na geladeira sintetiza a crítica do dramaturgo: indomesticável, o desejo aprisionado frequentemente escapa por entre as fissuras das paredes de um edifício moderno e tecnológico, retrógrado e arruinado.

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