Com Bethânia e sem Caetano, Gal Costa lança novo álbum

'A Pele do Futuro' tem pegada disco music e dueto com Marília Mendonça

A cantora Gal Costa, que lança ‘A Pele do Futuro’ - Keiny Andrade/Folhapress
Eduardo Moura
São Paulo

Gabriel, 13, entrou no quarto da sua mãe e tocou "I Will Survive", de Gloria Gaynor. "Duvido que você conheça essa música", disse ele.

"É da minha época, filho", respondeu Maria da Graça, 73.

Foi aí que a mãe teve uma intuição: "Esse lance de anos 1970 está voltando".

Ela, também conhecida como Gal Costa, lança nesta sexta (28) novo álbum de estúdio, "A Pele do Futuro", inspirado pelo gênero setentista.

"Sempre tive vontade de gravar disco music, mas nunca gravei. E aí percebi que o meu filho e os coleguinhas dele estavam super ligados nessa música", diz a cantora baiana.

Para compor uma canção inspirada em "I Will Survive", chamou a sertaneja Marília Mendonça.

O diretor artístico Marcus Preto conta que demorou para entender. "Achei boa a ideia, mas fiquei surpreso. Quando a Gal quer inventar coisa, ela é radical."

"Marcus me olhou com uma cara...", diz Gal. "Meu filho sempre reclama das minhas músicas —e aí ele ouviu 'Sublime' [segundo single do disco] e adorou. Conquistei ele."

No álbum, há também músicas não inspiradas pela disco music, "senão ia ficar muito maçante", segundo a cantora.

O título "A Pele do Futuro" vem de um verso da balada composta por Gilberto Gil especialmente para a voz da cantora, "Viagem Passageira".

O disco não tem nenhuma composição de Caetano, o que é raro na carreira de Gal. Em compensação, há um leque eclético de compositores, entre os quais estão Djavan, Nando Reis, Adriana Calcanhoto, Guilherme Arantes, Jorge Mautner, Erasmo Carlos, Emicida e Marília Mendonça.

Esta última foi a artista brasileira mais tocada no YouTube no ano passado. Gal cantou com ela na sofrência-disco music "Cuidando de Longe", escrita pela goiana.

"Eu vi alguém dizendo na internet, 'Gal, não se meta com essa gentalha'. Como assim, 'gentalha'? [Sertanejo] é música! Ela [Mendonça] veio numa canção dela, que é sofrência, feita em disco music. Cantou de um jeito equilibradíssimo com a —posso dizer— doçura da minha voz", diz.

De acordo com a Crowley, empresa que monitora rádios, das cem músicas mais tocadas em 2017 nas rádios brasileiras, 87 eram sertanejas.

Sobre a suposta prática de gravadoras de pagar para que as rádios toquem somente determinadas músicas, Gal diz que "há muito se paga jabá, meu querido. A culpa disso tudo é das gravadoras. Quando eu era adolescente, a rádio era democrática. Eu ouvia de tudo, de Miltinho a João Gilberto, que era a coisa mais sofisticada na época —e até hoje, na minha opinião".

"E não é só com o sertanejo. É comigo, com Caetano, com Bethânia. Tem que pagar jabá para tocar em algumas rádios. Não é, Marcus?", pergunta, dirigindo-se ao diretor artístico de "A Pele do Futuro". "Dizem que sim", responde ele.

"Quem quer paga, quem não quer não paga. A rádio tem que ser democrática", diz Gal.

Uma parceria aguardada pelos fãs é com Maria Bethânia, com quem não gravava, em estúdio, há quase três décadas. Gal, claro, nega rumores de que as duas teriam brigado. A justificativa para tanto tempo sem cantarem juntas? "Não sei", responde.

A música, "Minha Mãe", foi escrita por Jorge Mautner.

"Uma vez ele me disse que ia fazer uma música sobre Dona Canô [mãe de Caetano e Bethânia] e Dona Mariah [mãe de Gal]", diz a cantora, que achou a composição de Mautner "a cara de Bethânia".

O tema tem um significado especial para as carreiras das duas cantoras. "O primeiro grande sucesso que nós tivemos juntas foi 'Oração a Mãe Menininha', que fala de mãe."

Para Gal, vivemos em tempos horríveis. "Parece que o mundo vai acabar", diz.

Seu novo disco, alegre e dançante, segundo ela, é político —"uma música não precisa necessariamente ser militante para ser política".

"Olha a minha carreira, cara. Nos anos 1960, tudo o que eu fiz foi o quê? Foi politicamente foda. E não era militante."

Mesmo assim, ela diz que não se pode comparar os dias atuais com a ditadura.

"Naquela época, Gil e Caetano estavam exilados, e eu estava aqui defendendo uma bandeira tropicalista —de maneira verdadeira, por amor. Uma época de ditadura em que amigos vários morreram."

Gal ainda defende bandeiras consideradas progressistas, como descriminalização do aborto e do uso de drogas. "Mas depende da droga. A cannabis tem efeitos terapêuticos bons. Eu, pessoalmente, detesto. Fico esquisitíssima, eu odeio", afirma. "O que não pode é exagerar. Tudo em exagero é ruim. Álcool é pior ainda."

Gal se juntou aos artistas que aderiram ao movimento #EleNão, contrário ao presidenciável Jair Bolsonaro (PSL). "Somos mulheres lutando contra a candidatura de um cara fascista, grosseiro, intolerante, que não sabe conviver com as diferenças. Eu resolvi aderir, por que não?"

No Instagram, foi desafiada pela colega Marília Mendonça a gravar um vídeo em apoio ao movimento. "Não gravei ontem porque não estava maquiada, mas vou gravar."

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