Lançado em 2014 no Chile e traduzido agora para o português pela editora Todavia, "Contra os Filhos" já começa com o tom agressivo e irônico que vai marcar o livro todo.

As primeiras linhas são estas: "A máquina reprodutora continua seu curso incessante: cospe filhos aos montes. E gente morre aos montes também, mas, para cada morto, para cada desenganado, há dois-ponto-três corpos vivos lançados ao mundo para tentar a sorte".

Lina Meruane não tem filhos. Aos 48 anos, está há mais de dez morando em Nova York. E escreveu esse ensaio para uma coleção chilena na qual cada autor escolhido deveria optar por um assunto para ser contra. Decidiu-se pelo tema filhos, mas, na verdade, o livro ataca igualmente os pais e mães dos dias de hoje, muito permissivos na opinião dela, assim como as crianças tiranas e a sociedade como um todo, que fez da nova maternidade um truque para prender as mulheres em casa mais uma vez.

A tese é que o feminismo caminha em idas e vindas, como um pêndulo --para cada avanço, há um movimento contrário, um passo para trás.

Outro alvo é a ideia pretensamente avançada, que se apoia na defesa da vida natural, de que o período de lactância deve ser prolongado ao máximo. Depois, promove convivência intensiva com os rebentos, que passam a ser os imperadores da família --são eles que dão as regras. Os pais continuam mais ausentes, mesmo os que se pretendem presentes, e as mulheres cada vez mais presas à demanda infinita das crianças.

O livro parece fazer parte, mesmo que involuntariamente, de um movimento que toma cada vez mais força. É o NoMo, sigla para "No mothers" (sem mães). Dois outros títulos lançados recentemente e que tocam nesse tema se transformaram em best-sellers mundiais: "Rocking the Life Unexpected" ("Balançando a Vida Inesperada"), da inglesa Jody Day, ainda sem tradução no Brasil; e "Mães Arrependidas", da antropóloga israelense Orna Donath, lançado aqui pela Civilização Brasileira.

O que faz "Contra os Filhos" se destacar dessa lista é o tom irônico que Meruane emprega com muito humor. Em algumas passagens, suas ideias parecem algo levianas, mas esse ensaio não tem a pretensão de encerrar a discussão. Ao contrário, a intenção é provocar algo que instigue o debate sobre ter ou não ter filhos e, tendo, como criá-los.

O que virá fica para outra escritora com tanta coragem e bom humor adivinhar.