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Livros

'Depois da Queda' é noir doméstico pretensamente hitchcockiano

Livro de Dennis Lehane protagonizado por mulher está longe do brilhantismo de suas obras anteriores

RODRIGO GARCIA LOPES

Depois da Queda

  • Preço R$ 54,90, 392 págs.
  • Autor Dennis Lehane; trad. Sergio Flaksman
  • Editora Companhia das Letras

O começo do mais recente romance de Dennis Lehane é promissor: “Numa terça-feira de maio, no trigésimo quinto ano da sua vida, Rachel matou o marido com um tiro. Ele cambaleou para trás com uma estranha expressão de confirmação no rosto, como se alguma parte dele sempre tivesse desconfiado que iria morrer pelas mãos de sua mulher.”

“Depois da Queda” é um “noir doméstico” pretensamente hitchcockiano. É o primeiro livro do autor em que a protagonista é uma mulher. 

Estragada psicologicamente pela mãe, uma escritora de autoajuda, a jornalista Rachel Childs passa a vida procurando a identidade do seu pai biológico. 

Com a recusa da mãe em revelar a verdade e com sua morte súbita, cabe à Rachel buscar seu paradeiro.

Contrata os serviços de um tal Brian Delacroix, que a ajuda na investigação por um tempo. 

Quando ela descobre a identidade do pai é um anticlímax total. A motivação para tanto segredo parece pouco convincente.

Na segunda parte, acompanhamos a ascensão meteórica de Rachel, agora repórter de TV e casada com o produtor Sebastian, até ter um colapso ao vivo, em rede nacional, enquanto cobria um terremoto no Haiti.

As imagens viralizam. Desmoralizada, encerra a carreira e torna-se uma reclusa, sendo acometida por frequentes e terríveis ataques de pânico. 

Numa de suas raras saídas, cruza ao acaso com Brian. Apaixonam-se e se casam. Um dia ela vê algo na rua que a leva a suspeitar que marido está mentindo. É só aí que o thriller realmente começa.

Lehane levou as primeiras 106 páginas para nos convencer da fragilidade extrema e da personalidade problemática da protagonista, com seus constantes ataques de pânico e sua incapacidade de agir.

Agora, ela é capaz de dirigir carros de noite numa floresta nos cafundós do Maine, andar de elevador e táxi, mergulhar num mar escuro, atirar, enganar policiais e escapar de gângsteres. No entanto, é como se a personagem agisse agora como um robô (“Fui eu que fiz isso?”, ela chega a se perguntar).

Há pelo menos um episódio (página 289) que absolutamente não convence e põe tudo a perder. É exigir muita “suspensão voluntária de descrença” por parte do leitor. Os personagens secundários do livro são rasos e desinteressantes.

O escritor Dennis Lehane
O escritor Dennis Lehane - Gaby Gerster/Divulgação

O final é pouco crível. E fica aberto para uma possível sequência, o que não seria uma boa ideia. A condução narrativa é burocrática, com direito a diálogos chatos e clichês espantosos, que parecem fruto da pressa do autor em terminar o livro (de fato, Lehane vendeu os direitos para o estúdio DreamWorks antes mesmo de terminá-lo). 

Ter alegado que escreveu as primeiras cem páginas por último não melhora a impressão de uma profunda desconexão entre a primeira parte e as outras duas.

O autor não nos convence de que foi proposital, como uma pista falsa. Resta saber o que ele fará, já que vai assinar o roteiro do filme. 

“Depois da Queda” está longe da atmosfera sombria e envolvente, do brilhantismo narrativo de “Sobre Meninos e Lobos”, “Gone, Baby, Gone” e “Ilha do Medo”. 

Mais um ótimo escritor de policiais a ser engolido por Hollywood?


Rodrigo Garcia Lopes é escritor e crítico literário
 

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