Documentário de Michael Moore é uma obra lotada de viés e que prega apenas para os convertidos

'Fahrenheit 9/11' é uma peça de como o diretor joga para a torcida e tem preguiça crônica em recorrer aos fatos

Guilherme Genestreti
Toronto

O documentarista americano Michael Moore é mais parecido com Donald Trump do que gostaria. Seu novo filme, “Fahrenheit 9/11”, é uma peça ilustrativa de como o diretor joga para torcida, se ancora em piadas não muito sagazes, manipula informações a seu favor e tem uma preguiça crônica em recorrer aos fatos. Ele age como Trump, bola da vez a ser desancada, mas com o sinal invertido.
 
Isso não significa que as questões que Moore critica sejam ilegítimas; muito pelo contrário. Mas sua mais nova produção, que abriu nesta semana a seção de documentários do Festival de Toronto, não passa de uma obra lotada de viés e que prega apenas para os convertidos.
 
“Como é que essa porra foi acontecer?”, indaga a narração do diretor, apresentando a questão sobre a qual seu filme pretende se debruçar, isto é, o que fez com que um sujeito tão raso como Trump conseguisse ser eleito presidente dos Estados Unidos. A edição empilha o apoio maciço de artistas à campanha de Hillary e o otimismo de seus eleitores para depois contrapô-los a imagens do eleitorado republicano, retratado com chistes e música soturna.

Michael Moore na pré-estreia do documentário 'Fahrenheit 11/9' no Festival de Toronto
Michael Moore na pré-estreia do documentário 'Fahrenheit 11/9' no Festival de Toronto - Valerie Macon/AFP

Em seguida, é o documentarista quem alerta: “Eu vinha avisando, mas ninguém deu ouvidos”, diz, com a propriedade de quem nasceu na cidade de Flint, lugarejo empobrecido do estado de Michigan formado em grande parte por americanos de “colarinho azul”, como é conhecida a classe operária e descontente que cerrou fileiras com Trump na campanha de 2016.
 
Mas Moore não quer saber dessa gente. Não gasta nem um minuto sequer entrevistando algum membro dessa massa rancorosa que ajudou o republicano a ser eleito, muito embora tenha ele perdido no saldo da votação popular para Hillary.
 
O documentarista prefere ficar na sua zona de conforto. Culpa a atenção dedicada pela mídia ao candidato bufão (“mídia formada por homens brancos com perfil parecido com o dele”), insinua uma atração incestuosa de Trump por sua filha, Ivanka, zomba dos correligionários do líder americano e traça paralelos entre a sua ascensão e a do nazismo.

No único pedaço mais instigante do filme, o diretor conta o caso de uma contaminação da população de Flint depois que o governador de Michigan, o republicano Rick Snyder, mandou alterar a fonte de água potável da cidade. A decisão teve impacto tremendo na saúde local, mas a relação desse evento com a eleição presidencial é tênue e está lá mais para que Moore possa mais uma vez disparar suas farpas contra o capitalismo do que para compreender o fenômeno Trump.
 
O título do filme –9 de novembro, em inglês—faz referência à data da eleição e remete ao maior sucesso da carreira do diretor, “Fahrenheit 11 de Setembro”, documentário de maior bilheteria da história. Ali, o alvo era George W. Bush e sua infame guerra ao terror.
 
Na liberal Toronto, Moore foi aplaudidíssimo por uma plateia que se enfileirou por quarteirões afora para entrar na sessão. Não sem um tiquinho de populismo, o diretor chamou ao palco alguns dos sobreviventes do massacre de Parkland, cidade da Flórida onde 17 pessoas foram mortas numa escola. O caso é rememorado no filme.
 
O espectador que busca documentários para compreender o eleitor de Trump vai ter mais respostas com “Monrovia, Indiana”, também exibido na mostra canadense. A obra do veterano Frederick Wiseman não se ancora em teses ou fanfarronices quaisquer; prefere mirar a câmera para a vida modorrenta da cidade que dá título ao filme, quintessência dos rincões da América.
 
Entre pregações de pastores batistas, casamentos caipiras e a monotonia dos mercadinhos, Wiseman traça um retrato muito mais esclarecedor do espírito do branco ressentido do país. 

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