Descrição de chapéu

Edgar é música para o cérebro, mas tudo bem se quiser mexer a bunda

Ironia permeia todo o álbum 'Ultrassom', que navega num caldo distópico

Lulie Macedo

Ultrassom

  • Preço R$ 25.
  • Gravadora Deck
  • Artista Edgar

Não acredite neste texto. Conclua por você: dê play em uma faixa qualquer de "Ultrassom" e observe se você termina do mesmo jeito que começou. Muito provável que não.

Edgar é desses artistas que tiram as coisas do lugar. Como uma usina de reciclagem, ele dá outro sentido, próprio, a tudo o que o cerca. Ressignifica, para usar a palavra-fetiche.

Faz isso com o rap. Escreve versos, mas sua lírica é a da palavra falada, do spoken word, da antipoesia, portanto livre de formatos e prisões de estilo que dominam o hip-hop.

Faz isso com o corpo. É um MC, um cantor, mas sua presença está a serviço da performance, da ideia. Faz isso com as peças de roupa e acessórios que cria —procure saber sobre os tênis, bonés, mantos, capacetes, bonecos que ele constrói usando lixo tecnológico, embalagens de remédio e perceba se não faz sentido conectá-lo com a arte de Arthur Bispo do Rosário.

Como outros de sua geração, a música não está dissociada da imagem no trabalho de Edgar. Produz curtas, fez um álbum visual, dirige seus clipes. Esse aspecto é importante porque não existe som sem imagem no que ele cria. Motivo simples: suas letras são paisagens, filmes, fotografias de um futuro-pretérito.

Como se descrevesse suas visões, num cruzamento entre "Mad Max" e "Blade Runner", Edgar conta histórias que não raro provocam engulhos. "O futuro é uma criança com medo de nós" é apenas uma dessas epítomes que se transformarão em mantras. Mas há outras, muitas outras.

"Alas de hospitais e corredores de escolas são todos bem parecidos", "nossas guerras estão gerando novos games".

Recortados assim, seus petardos podem até perder força. Por isso é importante sublinhar que Edgar não é um rapper ou cantor ou músico. Edgar é uma experiência.

Também por esse motivo a sonoridade tem papel complementar no disco. E isso é muito quando se pensa que o produtor é Pupillo. A economia na construção das bases é o caminho mais inteligente para receber as narrativas.

E isso não significa ser raso, ao contrário. Há complexidade suficiente na linguagem analógica que escolhem trilhar —e é preciso muita segurança para escolher menos na era dos excessos.

De elementos do electro funk a remissões a trilhas vintage de videogames, as bases têm o mesmo compromisso com a dissonância, com um certo incômodo. É música para o cérebro, mas tudo bem se quiser mexer a bunda.

Essa ironia permeia todo o álbum. Mesmo boiando num caldo distópico, Edgar sabe como não se levar tão a sério. Não acredite você nesta crítica, portanto. Experimente.

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