Em 'A Sombra do Pai', Gabriela Amaral Almeida faz homenagem explícita ao terror clássico

Longa da mesma diretora de 'O Animal Cordial' é exibido no Festival de Brasília

Cena de 'A Sombra do Pai', de Gabriela Amaral Almeida
Cena de 'A Sombra do Pai', de Gabriela Amaral Almeida - Divulgação
Inácio Araujo
Brasília

“A Sombra do Pai” era um dos filmes mais esperados no Festival de Brasília neste ano. Não por acaso: a diretora Gabriela Amaral Almeida, que já havia se destacado no curta-metragem, estreou no longa com o mais que animador “O Animal Cordial”.

“A Sombra do Pai” revisita explicitamente seu gênero de preferência, o terror. Existe, antecedendo a trama, mas em seu centro, uma morte, a da mãe, o que parece insuportável seja para sua filha, Dalva (Nina Medeiros), seja para seu marido, Julio (Julio Machado). Trata-se de um luto nunca feito, tanto para um como para o outro.

Quando a tia da menina deixa a casa, após seu casamento, pai e filha ficam sós. A menina acredita ter dons sobrenaturais. Almeja a ressurreição da mãe acima de tudo mais, mas o fato de sentir-se diferente dos coleguinhas de escola é igualmente central quanto para o desenvolvimento da trama.

Quanto a Julio, o pedreiro, parece fazer o luto no caminho inverso: a cada dia sente mais a perda da mulher, retrai-se mais. Fica, para resumir, sempre mais estranho.

A transformação lembra muito aquela que ocorre com a personagem de “Quando Eu Era Vivo” (2014), de que Gabriela foi roteirista. Nesse, dirigido por Marco Dutra, os personagens pertenciam a uma classe média decadente; também uma espécie de maldição havia caído sobre eles.

Aqui, Gabriela observa a classe operária. Reduz ao máximo a decoração e os adereços, mas conserva os clássicos bonecos e bonecas, em que o terror se manifesta mais vivo justamente por sua semelhança com os seres vivos.

Mas a classe social é apenas o cenário: viver é difícil. Cada respirar, cada abrir a porta, cada reboco colocado na obra —tudo é penoso.

A ideia era menos evidente em “O Animal Cordial”, no qual, no entanto, a autora desenvolveu com mais atenção o tema da proximidade entre a vida e a morte (com mais atenção? Talvez de outra forma).

Em “A Sombra do Pai”, Gabriela parece fazer uma homenagem explícita ao terror clássico, mais ligado ao gótico e distante das inovações de Romero, Cronenberg, John Carpenter etc. É uma tradição mais próxima à de certa produção da Hammer, ou do cinema italiano (Dario Argento entre outros) que lhe interessa.

Muito pessoalmente, sou mais Gabriela do que Dario. Mesmo neste filme, tão marcado pela necessidade de mergulhar na tradição de um “terror puro”, digamos assim, vizinho ao “gore” (ou mais mesmo que vizinho), de se mostrar artesanalmente à sua altura.

O que consegue, diga-se. Mas deixando a impressão de que estamos diante de um exercício onde certas ideias se fixam, mas ainda assim um exercício onde a diretora se prova capaz de realizar cenas fortes, mas um filme menos interessante, ao primeiro olhar, do que “O Animal Cordial”. Talvez isso se deva à sobrecarga provocada pelo uso excessivo da música carregada e dos ruídos. Mas é de perguntar se isso seria a causa do problema ou decorrência dele.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.