Em turnê, Adriana Calcanhotto busca catarse por viés da canção popular

Cantora traz para São Paulo o show 'A Mulher Pau Brasil', mesmo nome do espetáculo que montou aos 21 anos

Thales de Menezes
São Paulo

Adriana Calcanhotto traz a São Paulo, com ingressos esgotados, o show “A Mulher do Pau Brasil”. O mesmo nome do espetáculo que montou em 1987, aos 21 anos, em Porto Alegre. Há pontos de ligação entre os projetos, mas a cantora vive um momento bem diferente.

Ela acaba de passar dois anos de residência artística na Universidade de Coimbra, onde estudou e deu aulas. Criou este show no ano passado, para o que seria a conclusão do período em Portugal. Tudo mudou. Ele se transformou em turnê pelo Brasil e a estada em Portugal parece longe de terminar, porque voltará à universidade no ano que vem para mais um semestre.

Adriana se diz surpresa com a turnê, que cresce a cada semana com sessões extras e novas cidades entrando na programação. “Gosto de fazer em teatro, que é meu palco natural. Prefiro. Acho que certo tipo de espetáculo, como esse, precisa da concentração do público, as pessoas não podem estar falando no celular, bebendo.”

Adriana Calcanhotto na turnê A Mulher do Pau Brasil
Adriana Calcanhotto na turnê A Mulher do Pau Brasil - Divulgação

Não é um show montado para divulgar um novo disco, como é prática no cenário musical. “Comecei a minha carreira pensando sempre em show. Essa coisa de gravar em estúdio atravessou na minha frente, então fui fazer o primeiro disco”, conta Adriana.

“Sempre pensei que as pessoas poderiam ver meu show naqueles dias, sei lá, umas duas semanas em cartaz, e pronto, acabou. Não ficou registro de vários que montei, de alguns tenho umas duas ou três fotos, só isso. É para ser efêmero. Então não me assusta fazer um show sem disco.”

A sessão abre com a canção que dá título à montagem, espécie de autorretrato de Adriana, que se sentia realmente a Mulher do Pau Brasil em Coimbra, falando sobre o caráter antropofágico na cultura brasileira. “O roteiro é muito costurado para mostrar o Brasil e muitas de suas mazelas antigas e atuais, sob o ponto de vista de uma lente antropofágica. O Brasil é oswaldiano, modernista. Tem humor, leveza, um rir de si mesmo.”

Traz alguns de seus sucessos, como “Esquadros”, “Inverno” e “Vambora”, e muitas surpresas. No início há um bloco dedicado a poemas musicados, com Gregório de Matos, Alberto Caeiro e Emily Dickinson. A parte final tem músicas alegres, fechando com sua versão bem dançante de “Eu Sou Terrível”, de Roberto e Erasmo, que abria o show de 1987.

Entre a poesia musicada e o encerramento festivo, o público acompanha um extenso e intenso desfile de canções para definir um Brasil de problemas. Ela mudou várias músicas da turnê feita em Portugal no ano passado. Entraram “Geleia Geral”, de Gilberto Gil, “Nenhum Futuro”, de João Bosco e Francisco Bosco, e “O Cu do Mundo”, de Caetano Veloso.

A inclusão desta última é definida por Adriana como “a apropriação do acaso”. Ela selecionou para o repertório sua canção “Vamos Comer Caetano”, escolha inevitável para um espetáculo antropofágico. Essa música inclui samples (pequenos trechos sonoros pré-gravados) que são extraídos de músicas de Caetano. Quando foi capturar esses sons que reproduziria no palco, recorreu a seus discos do cantor. E um deles era “Circuladô”, lançado em 1991.

“Fui lá e botei a bolacha de novo no toca-discos. Quando eu ouvi ‘O Cu do Mundo’, falei, ‘Meu Deus!’. Parece que ele escreveu essa música ontem, logo depois de um desses debates dos candidatos. Faz muito mais sentido agora do que quando ele lançou. Tinha de cantá-la inteira.”

Um momento alto do show é “As Caravanas”, do último álbum de Chico Buarque. “É um pouco a história do Brasil contada pelo Chico em dois minutos e tantos segundos, algo assim”, afirma. Já a inclusão de “Geleia Geral” ela credita a vários motivos. Entre eles, o fato de a música também fazer parte do show de 1987 e a presença de Bem Gil no palco. Além de Adriana e do filho de Gilberto Gil, o trio do espetáculo é completado por Bruno Di Lullo.

Os dois acompanhantes se revezam nos instrumentos. Adriana, além do violão e de alguma percussão, empunha guitarra elétrica. A intimidade com o instrumento veio com Gabriel Muzak, que formou com o pianista Ricardo Dias Gomes a dupla de seus shows em Portugal.

“Gabriel foi meu professor de guitarra. Pensei que não poderia enferrujar musicalmente, então resolvi tocar guitarra elétrica, que é algo surpreendente para quem está em Coimbra. Comprei uma guitarra lá, pegava o trem com ela e ele me dava aula.”

Adriana enxerga que, além do conteúdo das canções, empreender uma turnê hoje no país já seria um ato político.

“Neste momento, fazer é resistir. Filosoficamente, eu não me sinto livre. Ninguém pode se sentir livre, estamos todos com medo. Acho que as pessoas estão precisando de alguma catarse, e isso acontece um pouco no show, por esse viés da canção popular.”
 
ADRIANA CALCANHOTTO
Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195. Qui (6), às 21h; sex (7), às 18h; sáb. (8), às 21h; dom. (9), às 18h. Os ingressos estão esgotados. 

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