Descrição de chapéu

Escapismo e nostalgia derrotam realismo e política no Emmy

Com tantas noticias ruins, premiação se pulveriza entre produções que evitam polêmicas

Luciana Coelho
São Paulo

Era para ser a consagração de megaproduções que se tornaram fenômenos culturais, “Handmaid’s Tale” (Hulu/Paramount) e “Game of Thrones” (HBO), ainda pela temporada exibida no meio de 2017. Mas séries menores e menos pretensiosas acabaram sobressaindo em uma noite que consagrou a nostalgia e o escapismo com quê otimista.

Talvez os espectadores estejam sofrendo com a overdose de séries com eco do noticiário, quando o noticiário (seja onde for) anda tão tétrico e dramático que raramente é superado pelos roteiristas de ficção. Nem o melhor documentário ("Wild Wild Country", sensacional) se debruça sobre um tema corrente.

É verdade que o épico de fantasia recheado de intriga política ficou com o prêmio principal, como já ocorrera em 2015 e 2016, num anticlímax. Mas a chuva de estatuetas para a obra inspirada em George RR Martin não veio — veio, com a de melhor drama, apenas a de coadjuvante para Peter Dinklage, o irrepreensível Tyrion Lannister, um suspeito de sempre.

“The Handmaid’s Tale”, cujas vestes vermelhas que simbolizam a opressão feminina no livro e na série tingiram quase todo protesto feminista neste ano, saiu sem prêmio relevante após uma segunda temporada descolada do livro e inferior à superpremiada primeira, embora crucial.

Os demais troféus de drama foram divididos entre duas outras obras de época tão realistas quanto nostálgicas: “The Crown”, sobre a rainha Elizabeth 2ª, que nos lembra que é possível um governante ter dignidade, e  “The Americans”, o magnífico thriller sobre a Guerra Fria que acompanha a vida de dois espiões russos infiltrados nos EUA, cujo episódio final foi ao ar em maio.

A primeira saiu da cerimônia com a estatueta de melhor direção e atriz dramática (Claire Foy, como a rainha); a segunda, a de ator dramático (Matthew Rhys) e melhor roteiro em drama.

A frequente menção à relação entre Rússia e EUA no noticiário, cortesia do governo de Donald Trump, pode ter dado uma ajudazinha na notoriedade de uma série que sempre triunfou pelo roteiro bem amarrado e as interpretações tocantes de Rhys e Keri Russell (até então a série levara, em seis anos, apenas o prêmio de coadjuvante para Margo Martindale, a Claudia).

A vitória mais feliz, contudo, foi a de “A Maravilhosa Sra. Maisel", uma produção agridoce e discreta da Amazon Video que recolheu mais emmys do que qualquer outra comédia na noite. Soa como alívio em uma categoria que desde 2010 só premiou duas séries, “Modern Family” e “Veep” (não que “Veep” não seja genial, mas renovação é preciso). 

“Sra Maisel” conta como uma recém-divorciada nos anos 50/60 trocou a vida de dona de casa pela de comediante, ainda ficou merecidamente com o prêmio de atriz de comédia (Rachel Brosnahan), coadjuvante, elenco, direção e roteiro para Amy Sherman-Palladino. 

Do lado oposto, o troféu de melhor ator cômico (para Bill Hader) também acabou com uma série menor, “Barry”, que aposta no humor absurdo e não nas palatáveis claques que reinaram até os anos 2000.

A promessa de diversidade na premiação ficou nos discursos e limitou-se a prêmios secundários — Regina King como melhor atriz de minissérie pela excepcional “Seven Seconds” (Netflix), sobre uma mãe negra que tenta descobrir as circunstâncias da morte do filho adolescente, e a ladra de cena Thandie Newton como coadjuvante em drama por “Westworld”. É preciso abrir ainda mais espaço.

O prêmio que ficou conhecido como Oscar da TV ainda tropeça sozinho para se reinventar em tempos de atenção ultradividida e politização exacerbada. Só não se pode dizer que, desta vez, ele não esteja atento ao público.
 

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