Descrição de chapéu

Festival de Brasília começa em meio ao desinteresse do público por cinema nacional

Para curador do evento, mudanças no mercado cinematográfico são responsáveis pela baixa bilheteria

Inácio Araujo
Brasília

O 51º. Festival de Brasília do Cinema Brasileiro abre nesta sexta-feira (14) tendo diante de si um enigma: por que o país, tendo talvez a melhor geração de cineastas surgida desde os anos 1960, não consegue fazer com que os espectadores se interessem por seus filmes?

As explicações podem ser muitas, mas para Eduardo Valente, curador do festival, é preciso antes de mais nada observar as transformações do mercado cinematográfico mundial. Para ele existe, de início, uma radicalização dos custos dos blockbusters, sempre maiores, seguida pela “pulverização nos demais campos: aumento da produção devido às tecnologias digitais, sem que exista um aumento do número de salas. Portanto, mais concorrência pela atenção, pouco tempo de circuito, diminuição nas bilheterias. Hoje isso é um fenômeno universal.”

A universalidade, no caso, não torna as coisas mais confortáveis por aqui. No Brasil, 2018 tem sido um ano desalentador: o delicado e elegíaco “Arábia”, filme de Affonso Uchoa e João Dumans que venceu Brasília no ano passado, fracassou na bilheteria.

Aristides de Sousa em cena do filme "Arábia", de João Dumans e Affonso Uchoa
Aristides de Sousa em cena do filme Arábia, de João Dumans e Affonso Uchoa - Divulgação

Pode-se ir até “Vazante”, de Daniela Thomas, responsável pela maior polêmica no Festival de 2017 – apesar disso, acabou recebido com indiferença pelas plateias. De “Era uma Vez Brasília”, que ganhou o prêmio de melhor direção, o jornal “Libération” afirmou, durante sua cobertura do Festival de Locarno, na Suíça, que era urgente exibi-lo na França. No entanto, o filme não chegou a ter distribuição comercial nacionalmente.

Em frente: ainda em Locarno, “As Boas Maneiras” levou o prêmio de melhor direção, o que não evitou que sua bilheteria fosse pífia. Mais ou menos como com “Gabriel e a Montanha”, que saiu da Semana da Critica de Cannes 2017 com vasto sucesso de estima, mas não chegou a 50 mil espectadores no circuito brasileiro, enquanto só na França conseguiu mais ou menos o dobro disso (“As Boas Maneiras” rendeu na França algo como o triplo do que conseguiu aqui).

É nesse campo minado, em que a exibição em streaming ganha peso, as salas perdem audiência, o número de filmes se multiplica e a distribuição estrangula as chances dos filmes encontrarem seu público que Brasília se prepara para o combate. Se Valente não acredita que os festivais possam alterar o estado de coisas que foge à sua alçada, pois “tem a ver com mudanças de hábito”, ele pensa que os festivais permitem aos filmes ocupar “um lugar firme que garanta que sobrevivam de maneiras distintas nesse inconsciente coletivo que hoje se materializa mais que nunca em outras nuvens, como a TV, o computador etc.”

A questão de fato vai mais longe, porém não se limita à mudança de hábitos que realmente acontece. Nossos próprios blockbusters, por exemplo, se enfraqueceram de forma inquietante nos últimos anos - o que alguns creditam à desafeição pelo próprio país, à parte a crise econômica.

O fato é que o audiovisual brasileiro deve enfrentar as atuais e profundas transformações no modo de distribuição cinematográfica com a existência novamente ameaçada e proteções precárias (um exemplo: a inexistência de obrigatoriedade desses filmes no streaming). Mesmo que ultrapasse a alçada de um festival, o fato é que este embate se dá em Brasília.

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