Festival de Toronto agora escancara alta voltagem política

Conhecido por servir de vitrine do Oscar, evento dedica parte da programação a desancar Trump

Steve Bannon em evento com líderes do setor automotivo em Michigan; estrategista é tema do documentário ‘American Dharma’  - Jonathan Ernst - 15.mar.17/File Photo/Reuters
Guilherme Genestreti
Toronto

Como qualquer outra sede de um grande festival de cinema, Toronto não passou incólume pela rapinagem de Harvey Weinstein. A atriz Mira Sorvino diz que foi no quarto de um dos cinco estrelas da cidade que o hoje arruinado produtor teria massageado os ombros dela e tentado agarrá-la.

Em sua primeira edição após o estouro dos escândalos sexuais, em outubro do ano passado, a mostra cinematográfica canadense fez estampar em pôsteres e nas páginas do programa oficial avisos contra o assédio, incluindo números e contatos para que vítimas reportem abusos.

De olho na grita dos movimentos Time's Up e MeToo, o diretor artístico do festival, Cameron Bailey, afirma que mulheres dirigem um terço dos filmes da programação —uma forma de também evitar os petardos disparados contra os seus congêneres de Cannes e Veneza, com baixa representação feminina.

"Há agora um debate ativo e complexo em torno da indústria cinematográfica e eu dou boas-vindas a ele", diz Bailey.

O Festival de Toronto nunca foi conhecido por sua politização. Mais do que isso, serve de vitrine para produções americanas com chancela para tentar o Oscar e exibe um apanhado do que circulou pelas mostras europeias.

Neste ano, contudo, a programação escancara alta voltagem política, e com um espectro ideológico bem marcado, é claro. Por se tratar de um evento de cinema, quintal da liberal Hollywood, não é mistério qual é a figura que, direta ou indiretamente, é desancada nos filmes.

Produção que marca o retorno do documentarista Michael Moore, "Fahrenheit 11/9" (9 de novembro, segundo a grafia de língua inglesa) faz uma crônica dos primeiros anos da presidência de Donald Trump.

Seu novo filme é construído com a mesma estrutura que "Fahrenheit 11 de Setembro", de 2004: uma sucessão de piadas disparadas contra o presidente americano e que só têm por objetivo confirmar a repulsa do diretor ao ocupante do cargo da vez. A diferença é que sai George W. Bush e entra o atual mandatário.

"Se ele não for impedido agora, no meio de seu primeiro mandato, com um impeachment [...], nem sei se chegaremos a 2020", disse o diretor à revista Deadline, adiantando o que esperar do tom de seu filme.

O veterano Errol Morris é outro a se somar à leva de documentaristas que politizam a edição do festival. Com "American Dharma", ele explora a figura de Steve Bannon, ex-estrategista de Trump.

Ao contrário de Moore, contudo, seu enfoque é mais nuançado. À esquerda no arco ideológico americano, Morris é acostumado a retratar as mentes por trás das guerras impopulares de seu país.

Em "The Unknown Known", o alvo era Donald Rumsfeld, ex-ministro da Defesa que defendeu a investida de W. Bush no Iraque. Já em "Sob a Névoa da Guerra" ele explorava a figura de Robert McNamara, conselheiro de Kennedy e Lyndon Johnson e defensor de primeira hora da Guerra do Vietnã.

"American Dharma" é ancorado em cinco longas entrevistas que o documentarista fez com Bannon em uma base militar americana. Mais do que querer reforçar uma tese, como faz Michael Moore, Errol Morris quer entender a complexidade de seu personagem, um dos papas da nova direita.

Fora do terreno documental, Jason Reitman, dos dramas indie "Juno" e "Jovens Adultos", também envereda pelo político com "The Front Runner".

O filme rememora a malfadada pré-campanha do senador Gary Hart à Presidência americana e deve trazer à tona ecos do escândalo envolvendo Trump e a ex-atriz pornô Stormy Daniels.

Em 1988, Hart, então favorito a despontar como candidato democrata se viu envolvido em um affair extraconjugal que o retirou da corrida. Na ficção, quem o interpreta é Hugh Jackman.

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