Joaquim Pedro de Andrade continua sendo um cineasta a rever e a reter

Morto há 3 décadas, diretor de 'Macunaíma' e 'O Padre e a Moça' terá mostra de sua obra completa no IMS

Inácio Araujo
São Paulo

​No tempo em que escrevia o roteiro de seu primeiro longa de ficção, "O Padre e a Moça", Joaquim Pedro sabia que todas as noites seu pai viria conferir os papéis para saber o que o filho estava fazendo com o poema de Carlos Drummond de Andrade.

O pai em questão era Rodrigo Melo Franco, amigo de Drummond e de outros escritores de seu tempo, ele mesmo um intelectual importante, que foi, entre outras, fundador do Iphan, o instituto do patrimônio histórico nacional (deve estar sofrendo em sua tumba agora que o Museu Nacional foi para o beleléu).

Hoje, mais de 50 anos depois, o IMS de São Paulo inaugura uma mostra de sua obra completa. O próprio Joaquim Pedro de Andrade tornou-se um nome importante da cultura brasileira e do cinema novo. Será impossível saber até que ponto o olhar atento do pai contribuiu para que "O Padre e a Moça" fosse a obra-prima que se tornou. Ali, narra-se a trajetória do amor entre um jovem padre (Paulo José) e uma bela garota da cidadezinha (Helena Ignez).

Através deles, o filme questionava fé, Igreja Católica, sexualidade, voto de castidade clerical e, claro, o interior do Brasil. Até hoje os fãs discutem se o melhor de Joaquim Pedro seria este filme em preto e branco, intimista e razoavelmente sombrio ou a ousada adaptação de "Macunaíma", em cores, com humor e ação, revelando uma Dina Sfat sensual (o talento e a beleza já se conheciam) e revezando Paulo José, o branco, e Grande Otelo, o negro, no papel-título.

Pode-se discutir ao infinito: ambos demonstram a inquietação do cineasta com o mundo que o rodeava. Já tinha sido assim no belo documentário "Garrincha, Alegria do Povo", assim seguiria em "Os Inconfidentes", em que tocava na abortada tentativa de independência do país ocorrida em 1789.

Agora, em 1972, estávamos no momento mais soturno da ditadura militar no Brasil. Ao contrário de vários colegas de cinema novo, Joaquim não perdera o rumo. É verdade que "Guerra Conjugal" ressente-se de altos e baixos na adaptação dos contos de Dalton Trevisan. Mas o episódio do velho casal que se mata-esfola em tempo integral é notável.

Uma aproximação com Oswald de Andrade, em "O Homem do Pau-Brasil" (1982), seria, pode se dizer, um final infeliz para a carreira rigorosa do cineasta, morto prematuramente em 1988, aos 56 anos, vítima de câncer.

Seria porque "O Imponderável Bento contra o Crioulo Voador", intrigante roteiro sobre o ainda mais intrigante homem que levita sobre a sujeira brasiliense, permanece um legado a ser lembrado —e sua reedição será lançada no dia 21 de setembro, no próprio IMS, a partir de 19h30.

Como diz Carlos Augusto Calil, grande entusiasta do texto, trata-se de uma "impiedosa crítica da hipocrisia social e do realismo político, uma fábula moral que nos restituiu a matéria da vida, feita de desejo e contradição". O fato de ser tristemente atual não o impede de ter, hoje, uma enorme vantagem em relação ao momento em que foi escrito: se nos anos 1980 a produção seria complexa e cara, com as novas técnicas digitais tudo isso se torna bem mais factível.

Se a carreira de Joaquim Pedro de Andrade foi marcada pelas inventivas adaptações literárias, aqui lançou-se num texto pessoal que, bem provavelmente, não teria envergonhado seu pai. Também por isso, Joaquim Pedro de Andrade continua um cineasta a rever e a reter.

Retrospectiva Joaquim Pedro de Andrade

IMS Paulista, av. Paulista, 2.424, Bela Vista. De 6 a 23/9. Ingr.: R$ 8


Programação

6/9

19h 'Guerra Conjugal' (1975)

+ debate com Luciana Corrêa de Araujo e Eduardo Escorel

7/9

18h 'Garrincha, Alegria do Povo' (1963)

19h30 'O Padre e a Moça' (1965)

8/9

18h Curtas 1

19h30 'Macunaíma' (1969)

9/9

18h Curtas 2

20h 'Os Inconfidentes' (1972)

13/9

19h 'Macunaíma' (1969)

+ debate com Carlos Augusto Calil

14/9

19h30 Curtas 1

21h 'O Homem do Pau-Brasil' (1981)

15/9

17h45 Curtas 2

19h30 'Guerra Conjugal' (1975)

18/9

19h 'Garrincha, Alegria do Povo' (1963)

20h30 'O Padre e a Moça' (1965)

22/9

19h30 'Os Inconfidentes' (1972)

23/9

19h30 'O Homem do Pau-Brasil' (1981)

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