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Livros

Julian Barnes narra trama em que crime é o fim do amor

Em 'A Única História', autor inglês aborda transformação do sentimento

VILMA ARÊAS

A Única História

  • Preço R$ 34,90, (224 págs.)
  • Autor Julian Barnes. Tradução: Léa Viveiros de Castro
  • Editora Rocco

O escritor inglês Julian Barnes, autor de “A Única História” (2018), é um colecionador de prêmios literários. Ganhou notoriedade entre nós com o terceiro romance, “O Papagaio de Flaubert”, inspirando admiradores fiéis desde então. 

Isso não deixa de ser curioso porque Barnes é um escritor que bate numa tecla só, que não muda de assunto. E por que? Ele mesmo confessa: acontecem várias coisas em nossas vidas, espelhadas em inúmeras histórias. “Mas só uma importa, só uma vale a pena ser contada”. 

O protagonista da história é Paul, que repassa sua vida amorosa: aos 19 anos se apaixona por Susan, uma mulher 30 anos mais velha, casada, com duas filhas. Dois anos depois, os amantes fogem e vão morar em outra cidade. 

No correr dos anos seguintes, ela pagando as contas, ele resolve se tornar advogado porque não tem ambições: “minhas ambições exageradas eram todas para o amor”. 

Mesmo assim, não percebe quando Susan se torna alcoólatra, embora anote que necessita ajustar suas suposições sobre amor e sexo. Passa a cuidar dela e a sair com outras mulheres.

 O escritor britânico Julian Barnes
O escritor britânico Julian Barnes - Divulgação

A última parte tematiza o desfecho, quando ele entrega Susan, “como  um pacote”, a uma das filhas, que passa a cuidar da mãe. Anos depois, Susan é  internada num manicômio. A filha pede que vá visitá-la, mas Paul não vai. Tinha feito uma descoberta terrível: o amor, talvez por um processo químico implacável, “podia se transformar em piedade e raiva”. 

Pronto, acabou. Entendemos tudo. Mas teremos entendido certo? Relemos o autor em “O Sentido de um Fim” (2011), que arrebatou o Man Booker Prize: “História é aquela certeza fabricada no instante em que as imperfeições da memória se encontram com as falhas da documentação”.

Então, será fiel este resumo? Será Paul um manipulador? Ou será o adorável Figuraça,  como dizia Susan, para mais tarde, delirante, chamá-lo de “farrista safado”? 

Será Barnes um mero idealista, que reduz qualquer matéria ao pensamento? Mas ele não é um filósofo e, sim, um ficcionista. Talvez sofisticado, pois transforma qualquer narrativa policial: o “crime” verdadeiro não depende de ninguém, é apenas o fim da vida ou do amor. Nossa queda livre diante da morte do ser amado. Embora dilacerante, essa morte não significa nada. “É apenas o  universo fazendo o seu trabalho.”

A essa altura, lembramos Flaubert, por quem Barnes nutre grande admiração. “A Única História” não deixa de ser uma espécie de “Educação Sentimental”, aliás aludida por ele.

A diferença é que, em seu  livro, Flaubert não repete “Madame Bovary sou eu”, mas, sim, “a ‘Educação Sentimental’ é o meu tempo”, pois a educação da sensibilidade se projeta no amplo painel histórico de sua época. Barnes não chega lá. Mas acho que essa suposta indiferença social seja um retrato fiel da curva mais sinistra de nosso tempo.

Escritora, autora de  ‘Um Beijo por Mês’ (ed. Luna Parque), entre outros  

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