Descrição de chapéu Artes Cênicas

Ministério Público investiga suposto lobby na Lei de Fomento ao Teatro

Sindicato acusa governo de irregularidades em edital municipal; secretaria nega

Maria Luísa Barsanelli
São Paulo

Um suposto lobby na escolha de projetos contemplados na Lei de Fomento ao Teatro de São Paulo tem causado grande discórdia entre governo e a classe artística e agora está sendo investigado pelo Ministério Público estadual, que abriu inquérito civil para apurar o caso.

Segundo os artistas, a Secretaria de Municipal de Cultura, responsável pelo edital, tem privilegiado projetos mais comerciais, que fogem das características estabelecidas na lei. 

Criado há 16 anos, o Fomento é voltado a programas de pesquisa contínua e produção teatral. Foi um dos mecanismos que ajudaram a alavancar o teatro de grupo paulistano. O edital contempla a cada semestre até 30 projetos. São R$ 8,5 milhões em recursos, mas cada proposta não pode receber mais de R$ 1 milhão.

No fim de julho, a prefeitura publicou um parecer que muda a interpretação da lei,  especificamente como devem ser compostas as comissões que selecionam os projetos.

O júri é formado por sete membros, que mudam a cada edição. Quatro são indicados pela secretaria, e os outros três são sugeridos por entidades teatrais e posteriormente eleitos por votos populares, geralmente dos artistas.

O parecer foi feito depois de um pedido da Rede de Teatros e Produtores Independentes de São Paulo e de outras três entidades. Segundo elas, haveria todos esses anos um monopólio da Cooperativa Paulista de Teatro na formação das comissões.

A cooperativa representa atualmente quase 4.000 artistas e coletivos de São Paulo, e muitos deles utilizam o CNPJ da instituição para inscrever seus trabalhos no edital.

Com a mudança na interpretação, entende-se que cada proponente, isto é, cada CNPJ, só teria direito a um voto para selecionar o júri. Com isso, os votos de todos os artistas representados pela cooperativa ficam restritos a apenas um.

Para artistas, essa foi uma maneira de privilegiar outros trabalhos, comerciais, que a lei em princípio não atenderia.

A mudança levantou uma série de discussões, e atores como Regina Duarte, Eva Wilma, Celso Frateschi e Odilon Wagner se manifestaram a favor da cooperativa.

No fim de agosto, o Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos) protocolou uma denúncia no Ministério Público, que levou à abertura do inquérito civil.

O texto cita várias acusações à Rede e a alguns de seus integrantes. Diz que a instituição tem se privilegiado das mudanças na lei para aprovar projetos de seu interesse.

Entre as denúncias, está a de que a Rede tem indicado ilegalmente nomes para compor a comissão. A Lei de Fomento estabelece que as instituições precisam ter ao menos três anos de funcionamento para sugerir jurados. A Rede foi criada formalmente apenas no início do ano. 

O texto ainda diz que a instituição teria “esquentado” um CNPJ (usar um mesmo registro para outros fins). O número da Rede era antes da Associação Brasileira de Atores Profissionais Caras do Reclame. 

Outra acusação cita um conflito de interesses dentro da secretaria. Michelle Rodrigues Gabriel é funcionária da pasta e coordena as comissões que selecionam projetos do Fomento e de outro edital municipal, o Prêmio Zé Renato. 

Mas ela consta, no Ministério da Fazenda, como presidente do teatro Commune, que teve projetos aprovados na penúltima edição do Fomento —a lei proíbe a participação de servidores no edital.

A acusação ainda cita que a secretaria fez contratos recentes com o Commune para eventos, como a última Virada Cultural. Os contratos foram representados pelo diretor do grupo, Augusto Marin, que também é vice-presidente da Rede. 

Segundo a denúncia, o Commune não poderia firmar contratos com o governo por ter tido contas reprovadas em projetos da Lei Rouanet.

O inquérito do Ministério Público, datado de 3 de setembro, dá um prazo de 60 dias para a secretaria fornecer informações sobre o caso.

Atualmente, o processo da 33ª edição do Fomento, que aconteceria no início de agosto, está parado. Depois do parecer da prefeitura, a cooperativa requereu uma liminar no Tribunal de Justiça do estado e conseguiu um mandado de segurança anulando o parecer. Na sequência, a Secretaria de Cultura entrou com recurso da decisão e suspendeu temporariamente o edital.

Algo semelhante tem acontecido com o Prêmio Zé Renato. A cooperativa diz que a secretaria tem desconsiderado a legislação para formar as comissões do edital. A instituição entrou com um pedido de impugnação do júri da oitava edição do prêmio, que, por ora, também está parada.

 

OUTRO LADO

Segundo Carlos Meceni, presidente da Rede, a denúncia é infundada. “Eu desconheço tudo isso que ele [o sindicato] está falando, ele montou um inquérito baseado em não sei o quê. Esse inquérito vai dar uma palhaçada”, disse ele, segundo quem só ficou sabendo do inquérito após ser procurado pela reportagem. “Eles estão absolutamente magoados com a possibilidade de mudança na comissão.”

Meceni confirma que o CNPJ era de outra associação, mas diz que a Rede já se reunia desde 2015. Dessa forma, afirma ele, pode-se considerar que o grupo existe há pelo menos três anos e poderia indicar nomes ao Fomento. “Nós nos efetivamos neste ano, mas já estávamos funcionando como Caras do Reclame.”

Sobre o caso de Michelle Gabriel, ele diz que ela já se desligou do Commune, mas a Receita Federal ainda não teria dado baixa do desligamento. 

Em vídeo publicado em suas redes sociais, o secretário de Cultura, André Sturm diz que as acusações são infundadas e que Michelle renunciou à presidência do grupo em julho do ano passado —pouco antes do processo em que o Commune foi contemplado.

Quanto ao inquérito, a secretaria só se manifestará após ser notificada. Procurados, Michelle e Augusto Marin não responderam a pedidos de entrevista.

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