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Monumental, série sobre Guerra do Vietnã não nos deixa esquecer

Documentário de 17 horas da dupla Ken Burns e Lynn Novick é quase essencial

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Soldado na Guerra do Vietnã em cena da série documental ‘The Vietnam War’, disponível na Netflix
Soldado na Guerra do Vietnã em cena da série documental ‘The Vietnam War’, disponível na Netflix -  Divulgação

The Vietnam War

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A Guerra do Vietnã foi o primeiro grande conflito na era da televisão. O trauma a ela associado moldou o cinema adulto americano das décadas de 1970 e 1980. Sua história visual é hoje item trivial do imaginário ocidental.

Assim, fica a pergunta: por que assistir a 1.004 minutos, ou quase 17 horas, de um documentário que não traz novidades factuais ou interpretações inovadoras sobre a tragédia? A resposta é simples: justamente porque esquecemos muito facilmente.

A dessensibilização do grande público no Ocidente acerca do tema guerra desde o trauma da intervenção direta americana no Sudeste Asiático, ocorrida de 1961 a 1973, ainda será descrito como uma das grandes vitórias do establishment dos EUA.

A Guerra do Golfo (1991) passou por videogame, o conflito sem fim no Afeganistão virou um incômodo progressivamente diluído num mundo descrito por redes sociais.

Quase meio milhão de vidas se foram na Síria desde 2011, mas aí tanto faz para o público geral, o pepino é dos russos, turcos e iranianos, apesar do envolvimento ocidental.

Isso tudo torna o monumental trabalho dos diretores Ken Burns e Lynn Novick em “The Vietnam War”, à disposição para assinantes da Netflix, quase essencial.

Burns é um dos mais celebrados documentaristas americanos, com status de rei do gênero com trabalhos como “A Guerra Civil” (1990).

Ele virou referência. O “efeito Ken Burns”, cuja autoria ele não reclama, virou jargão do ramo. Na ausência de imagem, o diretor pega uma fotografia e passeia por ela, aproximando-se ou enfocando personagens específicos.

Já devidamente empoderado pelo mercado, Burns gastou US$ 30 milhões (R$ 124 mi; 75% bancados por empresas, 25% pela rede educativa pública PBS) e dez anos de trabalho para trazer uma espécie de versão definitiva do conflito que formou a América fraturada que subsiste até hoje.

Os chamados valores da produção são muitos: a narração de Peter Coyote, a trilha incidental de Trent Reznor e Atticus Ross (Nine Inch Nails), a edição simples e eficaz.

O material é todo muito familiar, e às vezes o espectador se pergunta se viu aquela cena em outro documentário ou em algum dos inúmeros filmes sobre o tema, como “Apocalypse Now”, “Platoon”, “O Franco Atirador” e “Nascido para Matar”, para ficar em alguns dos seminais.

Assim, Burns usou a ideia de multifacetar a narrativa e poupar-nos dos quase sempre redundantes historiadores comentaristas.

Obviamente, é um filme americano, pago por americanos, para dar uma visão daquilo que consideram uma guerra deles. Mas o esforço é notável em delinear efeitos nas vidas de vietnamitas do Norte, em vietcongues no Sul, em vietnamitas do Sul.

Antes disso, já no primeiro episódio, é apresentado o contexto da colonização francesa da antiga Indochina e do conflito que acabou desdobrando-se contra os americanos —que apoiaram os franceses o quanto puderam, aliás.

Os relatos do “outro lado” são ricos, ainda que travados pela falta de empatia linguística normal para quem não fala vietnamita. Falta igualmente a abundância de imagens que a infantaria de mídia americana trouxe da guerra, mas aí a culpa não é de Burns e Novick, sua codiretora.

São 79 entrevistados. O tom é algo solene, quebrado pela inserção de clássicos do rock da época, que soam algo como clichês dada a saturação de filmografia sobre a guerra que já os utilizou.

Democrata à esquerda, um tipo comum em Hollywood, ele pende o relato para um certo antimilitarismo lacrimoso, que acaba por absolver soldados que cometeram crimes como vítimas.

Isso valeu, claro, críticas à esquerda pela simplificação. Pela direita, a reprimenda veio pela equiparação moral entre os comunistas vencedores do conflito e os EUA.

Há aspectos de história militar falhos, como não explicar que havia motivo para levar a guerra às florestas (mais facilmente bombardeáveis). A descrição da esgarçadura do tecido social americano ao longo do conflito permeia a série e, paradoxalmente, é seu ponto menos bem trabalhado.

Nixon, o anticristo dos democratas, sai pior do que seus mais culpados antecessores.

Para o espectador longe desse nós contra eles, é possível apreciar as virtudes mais objetivas, que são várias.

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