Descrição de chapéu

'Sem Data, Sem Assinatura' tem um dos lutos parentais mais atordoantes do cinema

Longa iraniano de Vahid Jalilvand faz estudo sobre ética, responsabilidade e culpa

Sem data, sem assinatura [Bedoune tarikh, bedoune emza, Irã, 2017], de Vahid Jalilvand (Imovision). Gênero: drama. Elenco: Amir Agha’ee, Navid Mohammadzadeh, Hediyeh Tehrani.

Cena do filme 'Sem Data, Sem Assinatura' Divulgação

Bruno Ghetti

Sem Data, Sem Assinatura

  • Quando Estreia nesta quinta (20)
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Amir Aghaee, Navid Mohammadzadeh
  • Produção Irã, 2017
  • Direção Vahid Jalilvand

O cinema iraniano é prodigioso em cenas de diálogo em automóveis. Dispositivo dramático, aliás, bastante arguto: em um carro, personagens podem falar com liberdade (o que, no Irã, nem sempre é possível fora dali). Também é um local que sugere intimismo, até claustrofobia, ainda que esteja em plena errância. E é um lugar em que uma conversa flui bem, já que as pessoas não precisam se olhar nos olhos.

O longa iraniano “Sem Data, Sem Assinatura” segue essa tradição persa, com várias conversas dentro de um veículo, explorando com destreza as possibilidades permitidas por essa situação. Mas o grande interesse do diretor Vahid Jalilvand é por outro procedimento também muito usual no cinema de seu país: discutir posturas éticas.

Faz isso por meio de Kaveh, médico que atropela uma moto por acidente. Fere o filho do motociclista no pescoço, mas presta socorro e se tranquiliza ao verificar que ele passa bem. Mas, no dia seguinte, um susto: o garoto surge morto.

A autópsia aponta intoxicação alimentar, mas Kaveh acha que o óbito pode ter sido pela pancada. Resolve, então, investigar o que de fato vitimou a criança.

Kaveh não é um santo. É até um sujeito ríspido, sobretudo com mulheres (outra tradição local, ao menos em alguns meios no Irã). Mas sabe o peso do que pode ter feito e aceita assumir sua eventual responsabilidade.

O roteiro é engenhoso: cada nova atitude dos personagens gera sérias implicações, às vezes comprometendo terceiros. O filme sublinha o quanto os atos humanos, mesmo irrisórios, podem ter graves consequências.

Jalilvand é capaz de cenas memoráveis. Quando o pai urra pelo filho morto, o que se vê não é mais um homem, mas um animal em desespero —é um dos lutos parentais mais atordoantes que o cinema já produziu. Pena que o diretor por vezes se deslumbre demais com o que ele próprio encena. Quase arruína uma sequência que começa formidável, quando o mesmo pai agride um açougueiro —mas a cena demora tanto e é tão reiterativa que escoa para o melodrama pesado.

Mas Jalilvand faz um bom estudo sobre culpa e aceitação de responsabilidade. O código de conduta do Irã atual nem sempre ajuda, mas muitos iranianos parecem dispostos a se tornar mais empáticos. E, ao mostrar isso, o filme se insere em outra notável tradição do cinema de seu país: a do humanismo.​

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