Descrição de chapéu

'Tancredo' traz Brasil que oscila entre a mesa de cirurgia, a UTI e o cemitério

Baseado em livro-reportagem, filme 'O Paciente' carrega o fardo da fidedignidade

Cássio Starling Carlos

O Paciente - O Caso Tancredo Neves

  • Quando Estreia nesta quinta (13)
  • Classificação 10 anos
  • Elenco Othon Bastos, Esther Góes, Paulo Betti
  • Produção Brasil, 2018
  • Direção Sergio Rezende

Dois ou três filmes convivem sem muito diálogo em "O Paciente - O Caso Tancredo Neves". Um preocupa-se demais em oferecer uma reconstituição historicamente acurada dos dois meses entre a eleição do primeiro presidente civil depois de duas décadas de ditadores militares, em janeiro de 1985, e a morte dele em abril daquele ano.

Outro esboça revelações dos bastidores, focalizando desmazelos de médicos, disputas de egos e precariedades do Hospital de Base de Brasília. Essas condições, agravadas pelas teimosias do paciente em se tratar, prolongaram a agonia do presidente e do país.

O diretor Sergio Rezende e o roteirista Gustavo Lipsztein se ancoram nos fatos e no livro-reportagem de Luís Mir para criar uma obra que carrega o fardo da fidedignidade. A inserção de amplo material documental reitera a tendência do filme de não tomar as liberdades que a ficção autoriza. Sua modesta ambição parece ser alcançar as metas do docudrama, gênero que prefere a correção à invenção.

Às vezes, "O Paciente" assume algum viés investigativo, sem, contudo, pretender incomodar o passado. Alfineta-se aqui e ali o desempenho profissional do cirurgião Pinheiro Rocha e do professor doutor Henrique Pinotti ou as condições hospitalares, mas tomando cuidado para não fazer acusações, como uma versão levemente ficcional dos documentários chapa branca.

 

Tanto como Risoleta Neves, à qual nem Esther Góes consegue dar consistência, os personagens principais são reduzidos a ilustrações dos sujeitos históricos, enquanto a política não passa de um punhado de anedotas.

Resta a figura do protagonista. Othon Bastos injeta verve na velha raposa mineira, narrando causos e fazendo dele não tanto um homem quanto um ideal. A boa interpretação tem, contudo, menos importância do que o valor icônico de Bastos, que serve de ponte entre seu não herói Corisco em "Deus e o Diabo na Terra do Sol" —feito pouco antes do golpe de 1964— e o político ao qual é negado o papel de herói —no final da ditadura.

Além dessa escolha cujo alcance simbólico não chega a ser explorado, outra boa ideia do filme fica em segundo plano, subordinada ao excesso de atenção ao factual.

O corpo do presidente, como um Leviatã combalido, torna-se uma alegoria do país de ontem e de hoje, um Brasil que oscila entre a mesa de cirurgia, a UTI e o cemitério.

Os diagnósticos se sucedem, os tratamentos prometem milagres e, depois de breves melhoras, os sintomas retornam com maior gravidade. Forma-se uma comissão com doutores de confiança, notáveis e intrometidos. Uns atiram a culpa nos outros, enquanto o doente agoniza.

E o povo, o que faz nessa história? Reza e chora.

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