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'Uma Mulher Transparente' tenta injetar força onde não há

Autor insiste em postular suspense, mas não consegue justificá-lo

O escritor Edgard Telles Ribeiro, autor de 'A Mulher Transparente', em foto de 2010 - Divulgação
Luís Augusto Fischer

Uma Mulher Transparente

  • Preço R$ 44,90 (128 págs.)
  • Autor Edgard Telles Ribeiro
  • Editora Todavia

O projeto narrativo de Edgard Telles Ribeiro é reiterado em "Uma Mulher Transparente": enfrentar fantasmas da história brasileira desde o golpe de 1964, quando sua geração viu naufragar o sonho de um projeto social reformista, moderno e com apoio popular.

Aqui, um narrador-testemunha relata o que pretende como enigma. Aos 20 anos, em 1962, ele trabalha na produção de uma enciclopédia, quando testemunha o assassinato de uma mulher anônima, na rua, no centro do Rio de Janeiro.

Duas décadas depois, já em plena redemocratização do país, quando do enterro de seu ex-chefe, reencontra outro colega e conta que está escrevendo um romance envolvendo aquele episódio, que se conecta, na cabeça do narrador, com a suspeita morte da esposa do antigo chefe.

A suspeita leva o narrador a mostrar os capítulos iniciais do romance ao colega, que por sua vez leva o texto para casa, onde sua esposa vai ler. Essa terceira mulher é a "mulher transparente", com um passado complicado, com ligação com a guerrilha em 1969 e sofrimentos de quem passou pela cadeia da ditadura. Aqui está, enfim, o centro do enigma que o romance vai manter no horizonte até se encerrar.

O assunto é dos mais relevantes e a trama tem lá seu engenho, mas, como em outros romances do autor, a dimensão psicológica é frágil. A rigor, nenhum dos personagens convence, porque não têm profundidade psicológica: são manequins dispostos para receber a veste do discurso do narrador (e do autor).

No fim das contas, nem a trama subsiste. Sequer a suspeita de algum laço entre as três mulheres se confirma. O suspense que o narrador insiste em postular não se justifica, e isso se percebe no evidente superesforço de linguagem.

O narrador não apenas se desloca até o bar, mas "arrasta as pernas". Há muitas comparações forçadas: ele e seu interlocutor estão no bar bebendo? Não: eles vão aos copos "como os nômades, no deserto, às bolsas de couro cheias d'água que pendiam dos alforjes de seus camelos". Chega-se ao paroxismo de dizer que o narrador desenha "círculos cada vez mais concêntricos".

Excessos retóricos, em tentativa gorada de injetar força onde não há.

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