Vitrine do Oscar, Toronto destaca filmes que discutem identidade americana

Vencedor 'Green Book', de Peter Farrelly, narra história real sobre racismo

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Viggo Mortensen e Mahershala Ali em cena de "Green Book", de Peter Farrelly
Viggo Mortensen e Mahershala Ali em cena de "Green Book", de Peter Farrelly - Divulgação
Toronto

Em tempos de bom-mocismo no cinema, besteiróis como “Debi & Loide” e “Quem Vai Ficar com Mary?” talvez jamais seriam feitos. Quem diria que o diretor deles, o americano Peter Farrelly, estivesse a um passo do Oscar, a quintessência do politicamente correto?
 
Pois com a vitória no Festival de Toronto de “Green Book”, seu primeiro drama, é difícil imaginar o contrário. O próprio longa já segue a receita das características que comovem a Academia: uma história real sobre racismo com um tom conciliatório.
 
Na trama, Viggo Mortensen vive um chofer ítalo-americano encarregado de conduzir um músico negro, interpretado por Mahershala Ali, em excursão pelo sul dos Estados Unidos. Só que tudo acontece no início dos anos 1960, quando a segregação racial ainda imperava na porção meridional do país. Claro que os dois vão enfrentar apertos e evoluir ao longo da trajetória.
 
Escolhido pelo público na mostra canadense, “Green Book” larga com vantagem para disputar o prêmio hollywoodiano. Terá como possíveis concorrentes outros títulos que também deram as caras por Toronto, sobretudo “Nasce uma Estrela”, terceiro remake sobre a ascensão de uma aspirante a fama, agora com Bradley Cooper e Lady Gaga nos papéis principais.
 
Além de Ali, Nicole Kidman (“Destroyer”), Julia Roberts (“Ben Is Back”), Viola Davis (“As Viúvas”), Timothée Chalamet (“Beautiful Boy”), Melissa McCarthy (“Can You Ever Forgive Me?”), Robert Redford (“The Old Man & The Gun”), Ryan Gosling (“Primeiro Homem”), Bradley Cooper e Lady Gaga (“Nasce uma Estrela”) são nomes que passaram por Toronto e podem pintar nas categorias de atuação do Oscar.
 
No lado dos perdedores, não houve nenhum diretor mais desafortunado do que o canadense Xavier Dolan. Seu “The Death and Life of John F. Donovan”, que havia tido uma produção turbulenta, foi esculhambado pela crítica.

Primeira obra em inglês do cineasta, o longa trouxe um roteiro mal amarrado sobre o suicídio de um pop star no armário (Kit Harington, o Jon Snow de “Game of Thrones"). Exagerado, é quase uma autoparódia dos tiques já empregados pelo diretor. A meses de completar 30 anos, não dá mais para Dolan ser tratado como um café-com-leite no jogo.
 
Já entre os vencedores, ninguém sai com mais satisfação do que a Netflix, que enfim conseguiu uma das chancelas que faltavam a ela: a dos festivais estrangeiros.
 
A gigante do streaming, que foi enxotada de Cannes por pressão dos cinemas franceses, lançou uma cartela de sete títulos diferentes no Canadá na esperança de um ao menos chamar atenção e ganhar peso para o Oscar.
 
“Roma”, de Alfonso Cuarón, cumprirá esse requisito. Vencedor do Leão de Ouro em Veneza e ovacionado na metrópole canadense, o drama social já é a aposta do México para o prêmio de produção estrangeira na Academia e não seria estranho se aparecesse também na categoria de melhor filme.
 
Fora do fuzuê da premiação, um aspecto intrigante nesta edição do festival foi a quantidade de diretores nascidos e criados fora dos Estados Unidos mirando regiões e temas caros à identidade americana. Não raro, situam suas tramas em áreas mais empobrecidas daquele país e focam gente do chamado “colarinho azul”, a classe proletária da América.
 
O inglês Steve McQueen tratou da violência urbana em Chicago com “As Viúvas”, o australiano Joel Edgerton abordou fundamentalismo religioso no Arkansas em “Boy Erased”, e o francês Yann Demange falou de guerra ao crack em Detroit com “White Boy Rick”. Já o israelense Guy Nattiv se voltou ao ódio racial com “Skin”.
 
Dependência química entre americanos também foi tema para o belga Felix Van Groeningen (“Beautiful Boy”) e para a londrina Sam-Taylor Johnson (“A Million Little Pieces”). Já o parisiense Jacques Audiard quis com “The Sisters Brothers” subverter o gênero que é ianque por excelência, o faroeste.
 
Estrangeiros no país de Trump, esses cineastas chegam a quase criar um fetiche, um exotismo, em torno da figura do americano comum, como se a partir dele fossem tirar alguma resposta sobre os humores turbulentos dos tempos atuais. 

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