Ajuda de discípulos é o que faz autoria de obras de Rafael ser contestada

Em réplica, curadora de exposição aponta que muitos quadros do artista têm as mãos de ajudantes

ELISA BYINGTON

A conexão entre arte e beleza se afirmou lentamente durante o Renascimento. A exposição "Rafael e a Definição da Beleza" focaliza a progressiva transformação da ideia de beleza entre o final do século 15 e as primeiras décadas do século 16, quando a precisão do número enquanto expressão da verdade, medida de excelência e beleza, cede lugar ao julgamento subjetivo das formas vinculado à ideia de "graça" incomensurável.

Seja pelas características do ambiente de sua formação, o "humanismo matemático" da corte de Urbino, seja pelo lugar que ocupará para a crítica de arte da época, que verá nele o maior representante da ideia de "graça", a figura de Rafael Sanzio é emblemática desta transformação.

Neste período extraordinário, creditado como uma nova idade de ouro para as artes, a inovação passará a ser exigida em um grau sem precedentes. Pressionado pelo sucesso dos ciclos decorativos no Palácio Apostólico Vaticano, onde havia dado forma plástica às ideias abstratas do pensamento humanista, Rafael organiza um ateliê moderno, preparado a enfrentar as muitas encomendas que sua genial versatilidade podia conceber. Concentra-se na "invenção", no processo de concepção da obra, às vezes trabalhada em centenas de desenhos.

Ao contrário de Michelangelo, que trabalhava sozinho, Rafael convivia com discípulos talentosos aos quais passa a delegar aspectos mais trabalhosos da preparação das obras e, não raro, muito da execução é confiada aos principais assistentes. Sob sua direção, estes trabalham segundo seu estilo, "como uma só mão".

A complexidade da questão autoral gerada por tal organização, como também pela variedade da sua produção, tem sido objeto de estudos, exposições e diferentes interpretações do estilo do mestre e seus colaboradores. Gianfrancesco Penni e Giulio Romano foram os principais discípulos e praticamente todos os quadros desta fase têm a mão dos dois, além da mão do próprio Rafael. Este é o caso de "Madonna Hertz", obra-prima absoluta, que deveria ser vista enquanto tal na exposição em cartaz.

A consciência precoce do significado das próprias inovações fez também com que Rafael usasse a gravura de maneira inédita no seu ateliê, como meio de difusão da sua arte. Nestas, fazia escrever "Raphael invenit", invenção de Rafael, separadamente da sigla do gravador, conservando para si a propriedade das matrizes e o direito autoral.

À parte a intenção de nos aproximarmos dos princípios e características que definem a arte dos grandes mestres, quanto mais se estuda, mais a questão da autoria de obras do Renascimento parece menos segura. O Rafael do Masp não foge à regra e sua autoria vem sendo discutida há algumas décadas.

Mas isto parece fazer pouco sentido à luz da recente história do Salvator Mundi, quadro atribuído a Leonardo Da Vinci pelo mercado cuja autoria ao pintor foi negada pelos maiores estudiosos. Nessas alturas, importante lembrar que estamos falando de ideias e de grandes obras, não de grifes.

Elisa Byington é curadora da exposição ‘Rafael e a Definição da Beleza’
 

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