Artista José Rufino revira seu ateliê atrás de peças esquecidas para mostra

Em cartaz em SP, 'Limbo' traz 250 peças, incluindo livros-objeto e obras de tom mais sombrio

João Perassolo
São Paulo

Uma varredura no ateliê que funciona como uma revisão da própria vida. Uma busca de “objetos e coisas que estavam guardadas nas gavetas do meu espaço de trabalho e eu não lembrava mais porquê”, diz José Rufino.

Foi com o espírito de quem remexe a própria trajetória de 33 anos de carreira —de uma existência de pouco mais de 50— que o artista plástico paraibano reuniu o conjunto de 250 obras que compõem a mostra “Limbo”, em cartaz na Biblioteca Mário de Andrade até novembro.

Apesar do espírito revisionista, “Limbo” não é um melhor de, mas sim “uma faxina emocional” do processo criativo do autor, como ele afirma.

Ativo desde os anos 1970, Rufino participou de bienais dentro e fora do país, e foi eleito melhor artista contemporâneo no ano passado pela Associação Brasileira de Críticos de Arte.

A exposição, que chega a São Paulo após passagem pelo Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa, traz pinturas, colagens, "ready mades", esboços, maquetes, instalações e desenhos da infância e da juventude do artista.

São trabalhos que ele chama de “pré-obras” ou “proto-obras”, dado o estado inacabado das peças que estavam nos quatro cantos de seu ateliê em Bayeux, região metropolitana de João Pessoa, mas que agora vem a público de forma finalizada e polida. 

Logo na entrada da mostra, há uma monotipia feita em 1970, resultante de um exercício de escola. Ao lado estão poemas visuais, xeroxes de colagens e cartões postais pintados de vermelho e rosa, testemunhos da época em que o artista flertou com a arte postal, nos anos 1980.

Passada a fase jovem, entra-se no núcleo da exposição, onde estão trabalhos com elementos que tornaram o artista mais conhecido, a exemplo da série “Purgatio” (2005-2018). Trata-se de um conjunto de três livros de medicina antigos sobre os quais foram derramados gesso e pigmentos. Dois dos exemplares estão abertos em páginas onde se veem órgãos humanos —um cérebro, um olho—,  atestando o interesse de Rufino por anatomia, tema frequente nas obras da exposição.

O trabalho de investigação do corpo, segundo ele, advém do fato de ter tido uma educação dividida em polos opostos. De um lado, a presença de pais ateus, ativistas que foram presos durante a ditadura militar, além de um avô também ateu, senhor de engenho de quem Rufino empresta o nome. De outro, a influência do restante da família, católicos fervorosos, somada à educação em colégios religiosos.

Esta configuração familiar dual o levou a desenvolver, nas suas palavras, uma “dicotomia entre matéria e sensação espiritual”, o que fez com que passasse a emprestar alma às coisas que transforma em objetos de arte, como se elas tivessem corpo.

O resultado são trabalhos de tom sombrio, a exemplo de “Debitum” (2002-2018), no qual dispôs cuidadosamente instrumentos médicos dentro de uma caixa de madeira, dando status de relíquia a ferramentas de um filme de horror. “É uma autópsia minha mesmo, eu me procuro dentro desses objetos”, conta.

Além de passar a carreira a limpo em "Limbo", Rufino conta que fuçar o ateliê foi também um processo terapêutico que o ajudou a aceitar a idade. ”A juventude ficou para trás, né?”.

Limbo

  • Quando Dirariamente, das 8h às 19h
  • Onde Biblioteca Mário de Andrade, rua da Consolação, 94 - São Paulo
  • Preço Grátis
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