Casa de Roberto Marinho abre as portas e apresenta obras do século 20

Para expor acervo de arte do fundador da Globo, mobiliário foi suprimido em prol dos 'cubos brancos'

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Rio de Janeiro

Na sala de cinema do primeiro andar da casa, um curto filme narrado por Pedro Bial apresenta a intensa vida social e política que ali se passou.

Dorival Caymmi dedilhou seu violão frente a uma seleta plateia na qual estava um compenetrado Nelson Rodrigues. Juscelino Kubitschek se deixou fotografar ao sair pela porta principal. Paulo Autran e Tônia Carreiro ainda estavam nos trajes da peça que tinham acabado de encenar. Muitos diplomatas por lá passaram e até o José Sarney visitou seu colega imortal na Academia Brasileira de Letras. Tarcísio Meira, Gloria Menezes e Fernanda Montenegro ali prestigiavam o fundador e proprietário do canal de TV que os empregava.

Isto e muito mais aconteceu na famosa residência de Roberto Marinho, no bairro carioca do Cosme Velho, cujas portas estão agora abertas.

O site e o catálogo da primeira exposição que acontece onde morou o todo-poderoso das Organizações Globo lançam o título “A coleção retorna à sua casa”. De fato, o rico acervo de obras de arte do século 20 vem a público, porém, a casa não está mais lá.

Os salões para majestosas recepções e os quartos íntimos repletos de quadros de modernistas brasileiros foram convertidos em galerias de arte. Não há mais os sofás que acolheram artistas. Não vemos as mesas onde se assentavam taças de cristal. Com exceção de um piano de cauda e da grande arca sobre a qual está uma santa barroca, todo mobiliário foi suprimido em prol da aparente neutralidade dos “cubos brancos”.

Com a grande maioria dos seres humanos, tais registros materiais são irrelevantes. Entretanto, a intimidade e o gosto interessam quando se trata de uma figura tão relevante para a história do Brasil quanto Roberto Marinho. Deveria ser possível que o público adentrasse a ambiência onde se sucederam acontecimentos relevantes da nossa política e cultura. Seria um serviço de caráter biográfico. Por que não conceder ao visitante a possibilidade de avaliação dos ambientes: cafonas ou elegantes, datados ou atemporais? Era um importante retrato da elite brasileira.

Arquitetura aqui, mais uma vez, se comprova como fator decisivo —e nada periférico, como se tende a levar em consideração. Não há nada de fortuito ou ingênuo na decisão de como lidar com a preexistência arquitetônica: da supressão da casa em prol de uma galeria de arte. Com ela, apresenta-se o dono da Globo exclusivamente como benfeitor das artes, um mecenas do modernismo no Brasil. Perdem-se indícios para a compreensão desta persona.

Até o dia 4 de novembro, a exposição “Modernos 10” está no segundo andar da edificação. Com curadoria de Lauro Cavalcanti, a mostra temporária da coleção do Roberto Marinho apresenta quadros de Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Ismael Nery, Di Cavalcanti, entre outros. Todas as obras são modernas do século 20 e figurativas. Nenhuma abstração. Independente da pouca distância cronológica, não vemos qualquer concretista ou neoconcretista. A exposição cumpre o papel de revelar o gosto do homem.

Realmente dadivosa é a apresentação ao público da sublime “Noite de São João” (1961) de Guignard, no qual céus e terra se mesclam como se um escorresse sobre o outro, ganhando pontos luminosos e oníricos nas representações de igrejas e balões. A cinco metros de distância, Cândido Portinari se revela admirável no quadro “Santa Cecília” (1954) e muito complicado em “Floresta (Coelhinho)” (1942).

Especialmente significativa é a apresentação da obra de José Pancetti: desde o “Boneco” (1939) de enigmática face (curiosamente o quadro favorito de Marinho) até as vivas e matissianas cores de “Lagoa Abaeté (Bahia)” (1957).

Indubitável é a relevância de apresentar o acervo de arte de Roberto Marinho ao público. Tal fato merecia a construção de um pavilhão contemporâneo —falta de espaço no terreno não seria um problema— para uma pinacoteca com mostras permanente e temporárias.

O arquiteto Glauco Campello fez as controversas reconfigurações da casa, sutis intervenções para adequar aos padrões atuais de acessibilidade, uma reserva técnica e, onde ficava o estacionamento dos carros, uma edificação nova para café e livraria. Este anexo sem maior relevância projetual (a não ser pela pitoresca coluna com capitel) cumpre o papel de não afetar visualmente as fachadas da residência em estilo neocolonial —inspirada no Solar de Megaípe, casa grande de engenho pernambucano do séc. 17— e o jardim, o qual teve Burle Marx entre os projetistas.

Modernos 10
Casa Roberto Marinho (r. Cosme Velho, 1.105, Cosme Velho). R$ 10. Até 4/11

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