Descrição de chapéu Artes Cênicas

Com Herson Capri e Genézio de Barros, 'As Brasas', de Sándor Márai, vira peça

História de amizade entre dois homens, permeada de rancor, ganha primeira adaptação nacional

Maria Luísa Barsanelli
São Paulo

“Você está em casa, sozinho. Há anos você não abre nem lê cartas. De uns anos para cá, você fala em voz alta no seu quarto, mesmo quando está sozinho. Você está velho. Você se sente velho. Então você recebe uma carta. Você não recebe uma carta há anos. Você reconhece a letra (...) E calcula o tempo entre um dia distante e o dia de hoje. Quarenta e um anos...”

É nesse espanto do reencontro, descrito logo de início por um dos personagens de “As Brasas”, que vem o gatilho do espetáculo, primeira adaptação para os palcos brasileiros do livro homônimo do húngaro Sándor Márai

Escrita em 1942, seis anos antes do exílio do autor —inconformado com a implantação do comunismo, deixou seu país, fixando-se mais tarde nos Estados Unidos, onde se suicidou em 1989—, a obra acompanha a amizade entre dois homens, permeada por rancor e ressentimento.

Henrik (aqui interpretado por Herson Capri) e Konrad (papel de Genézio de Barros) se conheceram ainda na infância, nos anos de colégio militar. O primeiro vinha de berço abastado, enquanto a família do segundo gastou todas as economias para manter o filho no colégio de elite.

Crescem os dois inseparáveis, compartilhando suas descobertas. Até que numa tarde de 1899, durante uma caçada nos arredores do castelo de Henrik, na Hungria, algo de estranho acontece entre eles, mas fica em segredo.

Konrad então abandona a carreira de militar que ambos compartilhavam e foge pelo mundo. Os dois ficam sem se ver ou se falar por 41 anos, até que Henrik recebe uma carta do amigo (a tal descrita no início deste texto), informando que está de volta à cidade.

Não fica claro, já no início da história, o que motivou Konrad a ir embora, nem por que nunca se falaram nesses anos todos. Mas o ressentimento de um pelo outro vai surgindo aqui e ali entre as conversas que permeiam seu jantar de reencontro.

Tinham suas diferenças, claro, mas a amizade dava conta de acobertá-las: Konrad perdoava Henrik por seu patrimônio, e Henrik perdoava Konrad por sua pobreza.

Mas há algo além ali. Uma relação não muito bem explicada entre Konrad e Kriztina, amiga de infância deste e mulher de Henrik. Haveria um caso entre a esposa e o melhor amigo? Depois da tarde de caçada, ela também deixa sua casa, e morre anos depois, de um tipo raro de anemia.

“Há um sentimento de culpa e ao mesmo tempo de grande afeto entre os dois”, diz Duca Rachid, que idealizou a montagem e assina a dramaturgia ao lado Julio Fischer. Pedro Brício, que dirige a peça, também colaborou com o texto.

A autora, que faz aqui seu primeiro trabalho para o teatro, leu o livro de Márai há mais de dez anos, quando trabalhava com Fischer na série infantil “Sítio do Picapau Amarelo” (Rede Globo). 

“Fiquei muito tocada pela relação dessa amizade que passa por duas guerras, que sobrevive à queda de um império [Austro-Húngaro, desfeito após a Primeira Guerra]. E do erotismo da amizade, não de um erotismo que envolve corpos, mas dessas relação de atração entre eles.”

Além de cortes, a adaptação teatral deu um tom mais narrativo à história e permitiu uma voz maior ao personagem de Konrad. O texto, que encadeia as falas de cada um dos amigos, funciona como um duelo entre eles. 

Capri e Barros dividem a cena com a violoncelista Nana Carneiro da Cunha, que, em música, ajuda a pontuar o embate de palavras dos amigos.

As Brasas

  • Quando Sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h. Até 4/11
  • Onde Sesc Santana, av. Luiz Dumont Villares, 579
  • Preço R$ 9 a R$ 30
  • Classificação 12 anos
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