Crise econômica e novos hábitos levam baladas de SP a fecharem suas portas

Funhouse, Clash, Astronete, Clube Glória e Vegas estão na lista da saudade

Interior do Clube Vegas, na rua Augusta, em 2017 Apu Gomes/Folhapress

João Paulo Martins
São Paulo

​Um dos vocalistas do The Libertines, Carl Barât escolheu a Funhouse para se divertir quando veio a São Paulo, há dez anos. Na ocasião, entre drinques e aditivos, o ícone da música alternativa do início do milênio deixara a festa só no dia seguinte. Eram tempos em que o caldeirão da noite paulistana fervia todos os finais de semana.

No centro da cidade, os grupos eram dos mais variados. Punks, emos, roqueiros, clubbers e indies vagavam por um cenário rico como poucas. Mas os tempos mudaram.

No ano passado, o clube fechou as portas, seguindo o rastro de casas que marcaram época e lançaram tendências de moda e comportamento, atraindo artistas de fora até então inéditos por aqui. 

A lista de casas que fecharam é extensa. Além da Funhouse, morreram a Clash, que tinha a música eletrônica underground como carro-chefe, a Inferno, que passava pelo hard rock dos anos 1970, e outras inspiradas no underground britânico, como a Astronete, na rua Augusta, e a V.U., fechada há três semanas.

Gabriel Gaiarsa, que por dez anos comandou a Clash, diz que é impossível falar do esvaziamento das casas noturnas sem antes lembrar como a crise econômica dificultou a sobrevivência delas. Mas ele também cita mudanças comportamentais na juventude que provocaram o fenômeno. 

O clube, que já recebeu os DJs Chris Liebin, Steven Vath e Adam Beyer, fechou em dezembro do ano passado “ porque o custo de manutenção de tudo que a casa precisava ficou praticamente inviável”.
Segundo ele, a juventude de uma década atrás, quando a boate abriu, também sentia a necessidade de pertencer àquele movimento específico, algo que já não existe mais. 

“Antes tínhamos uma necessidade de construir uma identidade, uma cena, preferencialmente por ouvirmos aquele tipo de música”, ele diz. “Hoje não há mais cenas específicas. As tendências eram lançadas pelas casas noturnas. As festas eram feitas com discos. Então as pessoas iam até elas para ouvir estas músicas. Com os aplicativos de hoje em dia, os jovens fazem isso em casa.”

Cláudio Medusa já fechou duas casas noturnas de rock. O empresário foi dono da Astronete até 2016 e acaba de lacrar as portas da V.U. Quando era dono da primeira, trouxe ao Brasil nomes como a banda punk britânica The Vibrators. No auge, o clube chegava a faturar R$ 20 mil por noite.

Ele conta que é muito difícil nos tempos atuais sustentar uma casa noturna de rock alternativo com entrada paga e preços elevados de bebidas. 

Medusa também lembra a competição com festas ao ar livre que surgiram na cidade. “Enquanto cobrávamos entrada e cerveja a R$ 25, essas festas não cobravam, e as pessoas compravam de ambulantes por preços mais acessíveis.”

As festas de rua a que se refere nasceram no centro de São Paulo, no antigo Bar do Netão, na Augusta. Foi ali que Thomas Haferlach criou a Voodoohop há nove anos. A Voodoo, como a festa ficou conhecida, foi idealizada com o intuito de estimular as pessoas a ocuparem o espaço público.

Haferlach é alemão e chegou ao Brasil munido de ideias novas que trouxe do velho continente. “Enxergava na América um potencial enorme de fundir costumes, gêneros e raças numa comemoração, como se fosse o Carnaval.”

Ele se inspirou em casas noturnas do underground de Berlim, como a Tresor, que nos anos 1990 já fazia festas itinerantes que ocupavam o espaço público da capital alemã.

Segundo ele, que considera o movimento de festas itinerantes uma revolução em São Paulo, o surgimento delas também combatia “o viés engessado e careta” que havia dominado a noite paulistana.

“Acho que conseguimos proporcionar um caldeirão antropológico de experiências, cores, sons e experimentos. E deixamos nosso legado.” De fato, a Voodoohop inspirou a criação de um movimento de festas com o mesmo intuito de ocupação do espaço urbano. 

Uma delas é a Mamba Negra, criada há cinco anos. Além de frequentar a festa, Francisco Loureiro já foi DJ da Sonido Trópico, balada itinerante que mistura música eletrônica psicodélica e performances. “Ocupar o espaço público sem um segurança para impedir que você exerça suas liberdade individuais é um atrativo para as pessoas.” 

Para ele, o funcionamento desse tipo de festa fez com que muitos DJs residentes de clubes noturnos migrassem para elas. “Como funcionamos em um esquema mais livre, os ganhos podem ser iguais ou maiores do que tocando em um clube fechado.” 

Mesmo diante de desafios, o empresário Facundo Guerra tem uma visão otimista sobre a sobrevivência dos clubes, mas atenta para o perigo de eles se segmentarem em apenas um estilo musical.

Guerra, que hoje controla o Yatch e o Lions, renomadas baladas da capital paulista, diz que “se o clube for só rock, só música alternativa ou só techno, certamente vai sofrer”. Segundo ele, o diálogo com diferentes manifestações musicais é essencial para a sobrevivência desses clubes.

Ele lembra ainda que parte do público gay se sente mais seguro em seus clubes do que em festas de rua. “Muitos deles se sentem mais à vontade aqui do que nas ruas porque têm medo da violência que eventualmente possam sofrer. Ainda acho que temos muito a entender o que querem de fato os jovens hoje.”

Veja relação de casas que fecharam

Funhouse
Indie rock
*2002
†2017
Localizada na rua Bela Cintra, no centro, atraía moderninhos fãs de indie rock, como The Strokes

Clash Club 
Eletrônica
*2007
†2018
Localizado num galpão dos anos 1930, na Barra Funda, era um lugar para ouvir techno alternativo dos anos 1990

Inferno Club 
Hard rock
*2006
†2016
Na Augusta, inspirava-se na subcultura inglesa e tocava hard rock dos anos 1970

Astronete 
Rock 
*2007
†2017
No Baixo Augusta, sobreviveu a um despejo e tocava variados estilos de rock

Clube V.U. 
Rock
*2017
†2018
Misto de bar e balada, tocava rock e tinha nome inspirado na banda Velvet
Underground

Vegas Club
Eclético
*2005
†2012
Pioneiro das baladas na Augusta, ia do eletrônica ao rock e à música latina

Clube Glória 
Pop
*2006
†2013
Reduto de fashionistas, no Bixiga, fez parte da cena gay paulistana

Bar do Netão 
Eclético
†2013
Bar pé-sujo na Augusta, não cobrava entrada e foi cenário do underground paulistano (o bar reabriu em 2016 na mesma rua, no número 584, com novo formato)

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