Descrição de chapéu

Filme 'Roma' é uma demonstração da sensibilidade e do caráter de Cuarón

Vencedora do Leão de Ouro em Veneza, produção para a Netflix é exibida na Mostra de SP

Cena de 'Roma', de Alfonso Cuarón Divulgação

Inácio Araujo

Roma

  • Quando Mostra: qua. (31), às 19h30, no Auditório Ibirapuera Oscar Niemeyer
  • Classificação 18 anos
  • Elenco Yalitza Aparicio, Nancy García García, Marina de Tavira
  • Produção México, 2018
  • Direção Alfonso Cuarón

É aos poucos que “Roma” seduz o espectador. Talvez a razão de botar o pé atrás seja o preto e branco contemporâneo, sem contrastes, sem matizes, como uma única mancha cinzenta que toma o quadro.

Devagar entramos no filme, conhecemos um México muito parecido com o Brasil. Estamos numa casa de classe média alta, onde as duas empregadas fazem tudo e ainda ouvem críticas da patroa. Não importa, são tratadas como pessoas da família, sobretudo Cleo. Depois, vamos à mansarda ocupada pelas duas empregadas. É ali que elas se queixam uma à outra das patroas.

Não é preciso muito tempo também para notarmos que o preto e branco é justificado pela época. Estamos nos anos 1970, presumivelmente no início, na época daqueles carrões que engoliam toneladas de gasolina por quilômetro. É assim o carro do “doutor”.

Aceitemos a ausência de cores em nome da época, ainda que nesse momento os filmes já fossem todos coloridos. O essencial é a percepção bastante segura dos gestos do cotidiano, inclusive da maneira como se desenvolvem os jogos infantis e as rivalidades entre irmãos.

Importa ainda que a viagem de estudos do doutor ao Canadá não é bem uma viagem nem de estudos nem ao Canadá —ele está deixando a casa, e essa viagem é apenas a história que Sofia deve contar aos filhos.

Quase ao mesmo tempo, Cleo vai engravidar de um rapaz que, ato contínuo, cai fora.

Não é trama o que mais nos interessa, mas os olhares das personagens. Sofia, assim como seus filhos, observa o mundo com atenção, de maneira ativa (ainda que a mudança do marido seja dolorosa).
Cleo, ao contrário, tem um olhar vazio, passivo, de quem não tem a esperar do mundo senão aquilo que o mundo quiser lhe dar.

Uma vez abandonada pelo marido, Sofia parece bem mais disposta a compreender os problemas de Cleo.

E esses serão agravados pela tremenda repressão das forças armadas ao movimento dos estudantes. O certo é que as duas mulheres estarão mais próximas: os problemas da feminilidade as aproximam mais do que as diferenças de classe as afasta uma da outra.

Uma sequência se sobressai: aquela em que quase acontece um afogamento (e do qual convém não dar detalhes). Nesse ponto, assim como o roteiro fornece os elementos de suspense, a direção de Cuarón conduz com felicidade a trama.

É talvez esse o ponto que mais interessa no filme: a maneira como ele nos traz a esse lugar tão pouco conhecido das pessoas do Terceiro Mundo: o Terceiro Mundo. Não apenas o mundo do subdesenvolvimento material, mas, ainda mais, o mental.

Por sinal, seria o caso de perguntar o que significa Roma, o nome do filme. Poderia ser, parece, esse espaço quase não mencionado pelo filme: a Roma contemporânea, os populares Estados Unidos.

Para um cineasta de talento, que até ganhou um Oscar com uma grande produção de Hollywood (“Gravidade”, de 2013), “Roma” é uma demonstração de sensibilidade a problemas que afligem, e muito, o seu país. Além de uma demonstração de caráter. Claro.

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