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Robert Redford diz que anunciar aposentadoria foi um grande erro

Ator desmentiu fim de carreira após estrear 'The Old Man & the Gun', que seria seu último filme

Robert Redford na estreia de "The Old Man & the Gun" no Festival de Toronto, em setembro - Mark Blinch/Reuters
Kathryn Shattuck
Nova York | The New York Times

Isso começou como uma entrevista sobre o final de uma carreira. Mas em algum momento entre anunciar que não trabalharia mais como ator, no começo de agosto, e a estreia, no final de setembro, em Nova York, daquele que seria seu último filme, "The Old Man & the Gun", Robert Redford aparentemente mudou de ideia.

"Creio que cometi um grande erro", ele disse, um dia depois da estreia. "Não me lembro de como o assunto surgiu, mas terminei dizendo alguma coisa sobre aposentadoria. E o que eu deveria ter feito, na verdade, era dizer coisa nenhuma sobre isso, e abandonar discretamente o negócio, ingressando em uma nova categoria".

Em "The Old Man & the Gun", dirigido por David Lowery, Redford interpreta um sujeito difícil de capturar, com o qual ele tem diversas semelhanças: Forrest Tucker, assaltante de bancos especialista em fugir da prisão —um sujeito cavalheiresco, charmoso e pronto para qualquer coisa, que nem os presídios de San Quentin e Alcatraz foram capazes de conter.

Sissy Spacek é Jewel, a viúva que conquista Tucker mesmo sem acreditar completamente em suas histórias grandiosas, e Casey Afleck é John Hunt, o investigador texano determinado a levar Tucker e seus encanecidos comparsas (Danny Glover e Tom Waits) à Justiça.

Como Tucker, Redford ainda está com tudo, aos 82 anos: a voz sonora de um poeta western, os cabelos revoltos e o sorriso demolidor, tudo isso acompanhado pelos espólios de um grande veterano do cinema —o Oscar como melhor diretor por "Gente Como a Gente", o Oscar honorário recebido por uma carreira que inclui a criação do Sundance Institute.

Em entrevista no TimesCenter, em companhia de Spacek e Lowery, Redford falou sobre o poder do "era uma vez", e explicou por que pretende nunca mais dizer nunca. Abaixo, trechos da conversa.

 

Você nos surpreendeu ao anunciar que talvez não vá se aposentar, afinal.

Olha, eu estou nesse ramo desde os 21 anos, ou seja, faz muito, muito tempo. E aí você começa a pensar que é hora, é hora —não de parar, porque não consigo me imaginar parando, mas de avançar para um novo território. Mas quando falei sobre isso, atraí atenção demais para mim, em vez de chamar a atenção para o objetivo de minha presença lá, que era promover e apoiar o filme que David Lowery fez.
 
Por que você escolheu "The Old Man & the Gun" como, supostamente, seu trabalho final?

Meu filme anterior ["Nossas Noites", com Jane Fonda] foi um trabalho pesado, porque era uma história de amor entre pessoas mais velhas, e era muito dramático, muito triste, com alguns tons muito sombrios. E por isso imaginei que, sei lá, seria legal sair daquilo e ir para um lugar positivo, otimista. E encontrei o veículo perfeito. E além disso era uma história verdadeira. Ele roubou bancos 17 vezes, foi capturado 17 vezes, terminou sentenciado à prisão 17 vezes e escapou 17 vezes. É essa a história que me conquistou, porque ele sempre fez tudo isso com um sorriso.
 
Você sempre se divertiu ao interpretar foras da lei.

Quando menino, crescendo em Los Angeles, eu jamais quis violar a lei, mas tampouco queria me sentir restringido pela lei. Queria ficar ligeiramente de fora. Queria a liberdade. E, quando consegui escapar dos problemas que criei para mim mesmo na juventude, decidi que aquilo parecia natural para mim. E assim me deixei atrair por papéis que permitiam interpretar foras da lei, como em "Butch Cassidy". Os foras da lei eram foras da lei, mas era divertido assisti-los, porque estavam se divertindo.
 
Você começou a trabalhar como ator em Nov York, no final da década de 1950, mas depois veio a simbolizar o oeste. Qual é o atrativo?

Oh, nossa, o fato de ele ser tão aberto, a história do lugar, o poder das paisagens, as montanhas e desertos, os rios, os vales. É tão imenso. Cresci no oeste, e ia de carro de Los Angeles até [a Universidade de Colorado em Boulder, onde ele estudou], e sempre seguia um caminho diferente. E cada caminho novo que eu tentava me fazia parar e dizer: "Oh".
 
Foi isso que despertou seu ambientalismo?

Fui levado ao Parque Nacional Yosemite quando tinha 11 anos, por aí, e, ao chegar ao Inspiration Point, era como se Deus tivesse esculpido aquele território. Eu me lembro de ter pensado que não queria olhar para aquilo, queria viver aquilo. Por isso me inscrevi para um emprego no Yosemite por dois verões, para realmente absorver o que o parque significava. E foi quando eu me conscientizei de como o meio ambiente é importante, especialmente porque eu podia vê-lo sendo erodido ao meu redor.
 
O que você pensa sobre o #MeToo e as mudanças em Hollywood, e por que isso demorou tanto?

Bem, essa é a questão importante, porque deveria ter acontecido muito antes de agora. Tenho muito interesse pelos direitos das mulheres. Talvez seja por causa de minha mãe, porque ela teve forte influência em minha vida, mas senti por muito tempo que as mulheres precisavam fazer com que suas vozes fossem ouvidas, para corrigir esse desequilíbrio.

Foi por isso que me envolvi desde cedo com Gloria Steinem, quando ela criou a revista Ms. E sem pensar no movimento #MeToo —porque isso é só um momento no tempo, e as pessoas estão colocando maiúsculas demais na coisa—, já há algum tempo estamos vendo mudanças. Elas foram ganhando força e ganhando força, e vão continuar a ganhar força. O que acho ser uma coisa muito saudável.
 
Você falou sobre a importância das histórias em sua vida, e fundou o Sundance em parte para estimular narrativas independentes.

Para mim, tudo começa com a história: qual é a história, quem são os personagens que a corporificam. E onde está a emoção? Lembro-me de que uma das frases mais maravilhosas que ouvi quando criança foi "era uma vez". E com isso contar histórias se tornou muito importante para mim, porque senti que era assim que se cria continuidade ao longo do tempo.
 
Que história você planeja contar a seguir?

Tenho um projeto no qual trabalharei como diretor, chamado "109 East Place". É sobre [o físico J. Robert] Oppenhemer e a criação da bomba atômica, em 1940, e sobre o elenco que ele reuniu em torno dele para desenvolver a bomba, e o choque de personalidades que surgiu entre essas pessoas em Los Alamos.
 
Qual é o maior erro de interpretação do público quanto a você?

Talvez, algum tempo atrás, tivesse a ver com uma obsessão quanto à aparência —que as pessoas se concentrassem mais na aparência do que naquilo que eu estava fazendo. E assim, portanto, quando meu trabalho estava sendo criticado, muitas vezes as críticas se referiam à minha aparência e não ao tema do trabalho. Isso costumava me incomodar. Mas acho que o problema desapareceu à medida que eu envelhecia.
 
Depois de seis décadas, como você vê seu legado?

Sempre que alguém me pergunta sobre meu legado, a questão não é registrada pelo meu cérebro. Porque acho que só estou interessado no que vem a seguir. Legado significa olhar para trás, e tendo a não fazer isso.
 
Quando você enfim decidir se aposentar, vai nos avisar?

Nunca. [Ri] Nunca.

Tradução de Paulo Migliacci

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