Descrição de chapéu

Interesse de 'Não me Toque' sucumbe ao ritmo enfadonho e ao dilema ético

Vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim, filme usa corpos de maneira estetizante

Sérgio Alpendre
 

Não me Toque

  • Quando Mostra: Qua. (24), às 14h, no Reserva Cultural; seg. (29), às 21h30, no Cinesesc
  • Classificação 18 anos
  • Elenco Laura Benson, Tómas Lemarquis, Christian Bayerlein, Grit Uhlemann e Andina Pintilie
  • Produção Alemanha (2018)
  • Direção Adina Pintilie


No seu melhor, "Não me Toque", de Adina Pintilie, vencedor do Urso de Ouro no último Festival de Berlim, avança algumas casas —não muito significantes, mas dignas de observação— na abolição da divisão entre ficção e documentário.

É uma diretora e seus personagens, notadamente Laura, Tomás e Christian. Ela provoca situações para que eles se libertem das amarras e sejam mais abertos e verdadeiros.

No seu pior, o filme lembra um cruzamento entre o cinema contemporâneo austríaco e o grego. Ou seja, a visão do inferno em cores frias.

Desde as primeiras imagens, o que impera é um desejo de se apropriar de uma espécie de verdade do corpo, um escrutínio da sexualidade como afirmação que só em alguns momentos nos parece interessante.

Um corpo nu masculino, deitado, é delineado pela câmera com grande proximidade. Laura encontra homens (um deles em avançado processo para mudança de sexo) para sentir como lidam com suas sexualidades. E como ela lida com a sexualidade deles. 

Cena de 'Não me Toque'
Cena de 'Não me Toque', de Adina Pintilie - Divulgação

Em um hospital, cuidadores tentam se tornar mais íntimos dos pacientes, com métodos que associam um diálogo direto, olhos nos olhos, a uma postura afetuosa, que envolve o toque.

Mas a romena Adina Pintilie, que não tem relação alguma com o famoso diretor compatriota Lucian Pintilie, exagera na frieza do relato. Por vezes, as pessoas parecem ratinhos de laboratório. 

E há ainda o problema ético que há no olhar para corpos que fogem bastante dos padrões de beleza. Sobre isso resta a dúvida, pois a diretora não parece torpe como um Ulrich Seidl ou um Yorgos Lanthimos, exceto nas cenas mais fortes. Parece mais querer justamente discutir esses padrões.  

Em alguns momentos, reforçados pela posição distante da câmera (do lado de fora de uma grande janela, por exemplo), a diretora dá a impressão de que procura o afastamento, a exploração daqueles corpos sob um suposto distanciamento crítico.

Em outros, ela se mistura aos corpos, quer interagir com eles, espelhando também os receios de seus personagens, ora entregues, ora receosos. Esse pêndulo nos instala na dúvida.

Os espelhamentos de Pintilie são interessantes. O primeiro homem que é examinado pela câmera tem o corpo todo peludo. Meia hora depois, a câmera passeia por outro corpo nu masculino, o de Tomás, sem pelo algum, por efeito de uma doença. 

O corpo de Tomás logo se transforma no corpo de uma mulher. Espelhamento dentro de espelhamento. A diretora quer, então, discutir também noções de masculinidade e feminilidade quando esses conceitos começam a cair por terra.

Esses trechos de inegável interesse sucumbem aos bocejos motivados pelo ritmo enfadonho que domina o filme e ao dilema ético do uso daqueles corpos de maneira estetizante.


 

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