Martinho da Vila completa 80 anos com novo álbum político e social

'Bandeira da Fé' tem fado, samba de breque e faixas que trazem reflexão sobre o momento atual

Luiz Fernando Vianna
Rio de Janeiro

​​Martinho​ da Vila sempre fez discos conceituais, com uma ideia costurando o repertório. Em tempos de faixas avulsas consumidas nas plataformas digitais, ele estava decidido a interromper a tradição.

Mas diz que foi convencido a realizar aquele que acredita ser o seu último CD. "Bandeira da Fé" nasceu para marcar os 80 anos do sambista, completados em fevereiro.

"Disco é para quem gosta de música e consegue tempo para ouvir. Hoje, com essa velocidade toda, não dá. Mas a gravadora falou: 'Faz o disco'. Aí me animei", Martinho conta.

Pensou num projeto de canções inéditas. Não ficou longe: das 12 faixas, 7 são novas; e das 5 restantes, só 1 tinha sido gravada pelo próprio Martinho. É "Depois Não Sei", que ele lançou em 1981, aos 43 anos, falando do desejo de "ficar bem velho".

Também pensou em cantar lugares de que gosta. O clima da cidade fluminense em que nasceu, Duas Barras, está em "Ó que Saudade". A Barra da Tijuca, bairro onde mora há dez anos, é reverenciada em "Minha Nova Namorada".

E foi para a Unidos de Vila Isabel, escola da qual é presidente de honra, que concebeu "Baixou na Avenida".

O que era para ser samba-enredo virou frevo e fecha o CD, num duo com o filho Tunico da Vila.

O que Martinho não previu é que o projeto teria um viés social e político. Mas as seis faixas finais formam uma espécie de lado B (como nos LPs) que permite essa interpretação, ao menos à luz do momento do país.

A luta contra o racismo, por exemplo, está em "Ser Mulher", cuja letra é recitada pela jornalista Glória Maria; em "Zumbi dos Palmares, Zumbi", parceria com Leonardo Bruno; e no samba-rap "O Sonho Continua", entoado ao lado de Rappin Hood (letra dos dois e de Juju Ferreirah, filha de Martinho) e que evoca Martin Luther King e Marielle Franco.

"O racismo pode piorar muito no Brasil. É uma ameaça perigosa que a gente está vivendo", diz o músico.

Em 2 de agosto, ao lado de Chico Buarque, Martinho visitou Lula na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde o ex-presidente está preso. Diz que foi, sobretudo, como amigo.

Na composição recente "Não Digo Amém", ele demonstra desalento em relação ao país, como no verso "E não há ninguém que lhe diga onde está a saída".

Já a letra de "Bandeira da Fé" —parceria com Zé Katimba gravada por Luiz Carlos da Vila em 1983 e por Agepê no ano seguinte— é mais otimista: "Vamos levantar a bandeira da fé/ Não esmoreçam e fiquem de pé".

"A esperança não pode morrer. Quem não tem esperança não tem mais nada, e aí pode morrer", Martinho afirma.

"Fado das Perguntas" trata de um tema forte no momento, que é a ida maciça de brasileiros para Portugal, mas com leveza. Flagra a saudade que um homem que partiu sente da amada que ficou aqui.

É o primeiro fado composto por Martinho. E "O Rei dos Carnavais" é o seu primeiro samba de breque. 

A regravação de "A Tal Brisa da Manhã", parceria com Luiz Carlos da Vila lançada por Juju Ferreirah em 2013, tem participação de outra representante da prole: Mart'nália. 

O CD será lançado com pompa em 3 de novembro, no Teatro Municipal do Rio, numa apresentação também com lado A e B: primeiramente, músicas do disco em roupagem de samba; na segunda parte, Martinho cantará sucessos acompanhado da Filarmônica do Rio.

Bandeira da Fé
Artista: Martinho da Vila. Sony. R$ 25,50 (CD) 

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