Descrição de chapéu Moda

Noias e fashionistas se encaram no apocalipse zumbi da SPFW

Local de desfiles da 46ª edição do evento é cercado de falta de glamour

Arredores do galpão da SPFW, na Vila Leopoldina Alberto Rocha/Folhapress

Marcos Nogueira
São Paulo

Alta e esguia, a garota que desfila parece ter 14 anos. Com as pernas à mostra, veste top amarelo manchado de ketchup e short de elastano preto com microfuros naturais. O look minimalista se completa com o cobertor cinza de fibra sintética ambientalmente correto.

Ela interrompe a caminhada e se encosta no carro de um homem que parou para conversar. Os dois negociam alguma coisa. Não é possível saber quem compra e quem vende, muito menos o que está sendo comprado ou vendido.

A cena aconteceu a um quarteirão do galpão em que ocorre a São Paulo Fashion Week. O local escolhido para os desfiles da 46ª edição da SPFW, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, é cercado de falta de glamour. Desolação e abandono são palavras suaves para definir a região. Aquilo é o apocalipse zumbi.

 

A Arca, galpão industrial convertido em espaço para eventos, fica nos arredores da Ceagesp. Está encalacrado entre uma favela —com filial própria da cracolândia, onde a moça do top amarelo passeava—, uma fábrica de cimento ativa, galpões abandonados e a marginal Pinheiros.

A peregrinação para a meca da moda é cheia de percalços. O fashionista despossuído, que desce na estação Jaguaré da CPTM, precisa caminhar sob a intempérie. Poeira, lama, ratos e cães sarnentos são obstáculos pelo caminho.

Provavelmente saídas do trem, três moças de preto escolheram a meia calçada da marginal para chegar à SPFW. Parecem alienígenas suadas passando ao largo de uma favela com igreja evangélica, salão de cabeleireiro e uma fabriqueta de caixas para frutas.

Dobrando à direita na avenida Manuel Bandeira, chega-se à Arca. Nesse quarteirão, há o breve encontro das duas tribos: o povo da moda e a galerinha do crack. A calçada ganha cor e vida com roupas assinadas por estilistas consagrados, sapatos de design exclusivo, carrinhos de supermercado e cachimbos feitos com potes de Yakult.

Eis que acontece a mágica da ocupação democrática do espaço público: aos excluídos mais repudiados entre os miseráveis, é dada a inédita oportunidade de zombar de alguém. Noias olham para fashionistas com um misto de curiosidade e incredulidade.

No quarteirão seguinte, não há fashionista que ouse passear a pé. O comércio de alguma coisa opera a todo vapor, com homens mal-encarados e figurantes de "The Walking Dead". Um cidadão de bigode, regata e gorro faz "bu!" e espanta o carro da reportagem.

De volta ao mundo encantado da moda, chega a hora em que até a fashionista mais aguerrida fica cansada de gastar a sola do Louboutin. A saída do galpão reserva emoções.

Os carros deixam a Arca pelo portão dos fundos, que dá para a avenida Professor Ariovaldo da Silva. A paisagem "Mad Max" se repete, com famílias de sem-teto acampadas numa sucessão de barracas.

O asfalto deu lugar a crateras preenchidas com água preta. Deve ser jogada de marketing da montadora de veículos off-road que patrocina a SPFW. Porque as engrenagens precisam girar. 

No final, todos fazem bons negócios: o estilista, o patrocinador, o borracheiro, o traficante. Essa é a beleza do capitalismo e da moda. 

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